Seis em um

De um paciente que se submete a uma bateria de exames hoje, é preciso coletar várias amostras de sangue. Mas isso está prestes a mudar. Um kit diagnóstico em fase avançada de desenvolvimento irá investigar em uma única prova a presença do protozoário Trypanosoma cruzi (causador da doença de Chagas), da bactéria Treponema pallidum (responsável pela sífilis) e dos vírus HIV (da Aids), HTLV (capaz de produzir linfoma e quadros neurológicos degenerativos), HBV e HCV (os dois últimos associados às hepatites B e C, respectivamente).

A iniciativa é do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, responsável pela produção de vacinas, reativos e biofármacos para atender às demandas da saúde pública nacional. Nesse projeto, Bio-Manguinhos tem o apoio do Instituto de Biologia Molecular do Paraná, entre outros parceiros.

A nova técnica emprega a chamada plataforma de microarranjos líquidos, na qual todas as reações e análises são feitas em nível nanoscópico (um bilionésimo de litro, neste caso). No método, adiciona-se um conjunto de microesferas plásticas, de diferentes tonalidades, codificadas por fluorescência, ao tubo de ensaio que contém a amostra de sangue. 

O químico Antônio Ferreira, gerente do Programa de Desenvolvimento de Reativos para Diagnósticos de Bio-Manguinhos, explica que são utilizadas até 2 mil microesferas de cada cor. Segundo ele, as microesferas permitem o acoplamento de antígenos (corpos estranhos ao organismo) específicos das doenças de que a pessoa pode ser portadora. Assim, até 15 reações diferentes podem acontecer de uma só vez com uma única amostra.

O sangue passa então por uma leitura feita por dois feixes de raio laser de alta velocidade, que verificam a fluorescência individual de cada uma das microesferas. Enquanto um laser analisa se a estrutura está acoplada a um antígeno – o que significaria resposta afirmativa para a existência de alguma das seis doenças –, o outro descobre qual a tonalidade da esfera que se acoplou, revelando a doença contraída. 

Bio-Manguinhos
Fachada do Centro Integrado de Protótipos, Biofármacos e Reativos para Diagnósticos, de Bio-Manguinhos, no Rio de Janeiro. A unidade é um dos pilares do Brasil na área de inovação e desenvolvimento tecnológico em saúde. (foto: Bernardo Portella – Bio-Manguinhos/Fiocruz)

 

Fim do Elisa

O novo método deve substituir o teste Elisa (sigla para a expressão inglesa Enzyme Linked Immunosorbent Assay), ainda bastante empregado em laboratórios brasileiros. Nessa análise, que se baseia na busca de anticorpos no sangue do paciente, amostras de soro e plasma sanguíneo são depositadas em cavidades de uma placa de plástico que contêm proteínas do vírus. Após misturas com diferentes reagentes, o resultado é fornecido por meio de uma leitura óptica. Caso sejam detectados anticorpos, ainda é preciso fazer um exame adicional, confirmatório.

O diretor de Bio-Manguinhos, Artur Couto, ressalta que com o kit desenvolvido pela equipe brasileira haverá redução de tempo, custo e trabalho, já que a técnica permitirá o paralelismo no diagnóstico de várias doenças.

Com o kit diagnóstico haverá redução de tempo, custo e trabalho

Além disso, o novo procedimento pode ajudar a reverter a expansão da Aids no Brasil. Segundo estudo divulgado recentemente pela Organização das Nações Unidas, o número de pessoas contaminadas com o vírus HIV no país cresceu nos últimos anos. Os levantamentos mostram que, em 2009, cerca de 650 mil pessoas se contaminaram. Em 2001, o número de portadores da doença girava em torno de 470 mil.

O relatório afirma ainda que, entre 2003 e 2008, um terço dos novos casos de Aids no Brasil foram diagnosticados nos últimos estágios da doença. “Ampliar os testes que a detectam e os serviços de acompanhamento para evitar diagnósticos tardios deve ser uma prioridade”, diz o documento. O novo kit chega, portanto, em boa hora.

 

Luan Galani
Especial para CH On-line / PR