“Sem saneamento” têm seis vezes mais chance de contrair diarréia

Crianças que vivem em locais sem saneamento básico têm cerca de seis vezes mais chances de contrair diarréia crônica. Essa é a conclusão de uma dissertação de mestrado que avaliou os danos que a exclusão sanitária causa à população carente, defendida pela médica Eloísa Azevedo na Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O estudo foi realizado durante dois anos na Vila Nossa Senhora de Fátima, que integra o conglomerado da Serra, com 46 mil habitantes em Belo Horizonte.

A população atingida pela exclusão social e econômica é a mesma que sofre da ‘exclusão sanitária’ (foto: GGSA/Sudecap)

Eloísa e sua equipe fizeram exames médicos em 584 crianças da região, que foi dividida em três áreas: locais sem sistema de água e sem esgoto (1), com água e sem esgoto (2), e com água e esgoto (3). Entre a população infantil dos locais sem nenhum tipo de saneamento (1), constatou-se que 50,4% estava infectada por algum tipo de protozoário.

Esse grupo tem 5,76 vezes mais chances de contrair diarréia aguda em relação ao das áreas com sistema de tratamento de água e esgoto (3), além de 1,84 vez mais chances de desenvolver a desnutrição crônica. Em relação às áreas onde há apenas água tratada (2), o risco de contrair diarréia crônica é 3,16 vezes maior. “Isso demonstra a importância da água tratada para melhores condições de saúde da população”, avalia Eloísa.

 
A pesquisadora explica que “a diarréia é um sinal clínico predominante nas doenças relacionadas à deficiência de saneamento”. Ela é o sintoma mais freqüente de diversas doenças transmitidas por protozoários e helmintos. Entre as mais comuns estão, por exemplo, a ascaridíase, a amebíase ou a giardíase. A forma mais comum de se contrair a maioria dessas doenças é a ingestão de água e alimentos contaminados, embora algumas delas possam ser transmitidas por vetores animais ou mesmo pelo contato direto.

Além da avaliação médica da população infantil da Vila Nossa Senhora de Fátima, Eloísa construiu um perfil socioeconômico das moradias e da população da região. Foram pesquisados dados como escolaridade do responsável pela criança, renda familiar, número de pessoas que residem na casa, tipo de banheiro e cozinha etc. “Os piores índices socioeconômicos foram os das áreas sem saneamento”, concluiu Eloísa.

 

Algumas variáveis medidas no perfil socioeconômico:

Casas com água e esgoto Casas c/ água e s/ esgoto Casas sem água ou esgoto Renda familiar inferior a 1 salário mínimo 33,7 37,0 41,2 Existência de banheiro 99,5 96,4 82,9 Preparo da água que a criança ingere 76,5 70,9 58,5 Lavagem das mãos antes das refeições 80,8 78,6 64,7 Presença de moscas 56,9 59,0 70,9

O estudo também investigou a maneira como a população procura suprir a falta de saneamento: 85,6% das casas fazem ligações clandestinas da rede oficial, portanto, 14,4% das moradias obtêm água para consumo sem que esta tenha sido submetida a um processo para torná-la potável. A solução mais comum constatada pela pesquisadora para o descarte do esgoto pelos ‘sem saneamento’ foi o lançamento em bueiros, no terreno ou em córregos.

“A saúde deve ser pensada como resultante das relações entre as variáveis ambientais, sociais e econômicas que pressionam as condições da qualidade de vida”, aponta ela. “Nenhuma medida profilática surtirá efeito se não houver engajamento dos órgãos governamentais para a execução de projetos amplos, que eliminem o estado de pobreza e miséria das populações dos países em desenvolvimento.”

Denis Weisz Kuck
Ciência Hoje on-line
26/05/03