Sobrevivendo de luz

Fotossíntese em inseto? Não exatamente, mas quase. Pesquisadores franceses identificaram uma espécie de pulgão (Acyrthosiphon pisum) que absorve energia luminosa para se nutrir. Os resultados foram publicados na revista Nature.

A descoberta é resultado de um experimento em que os insetos passaram por ciclos de exposição a ambientes com e sem luz. Após cada ciclo, os cientistas mediram a quantidade de adenosina trifosfato (ATP), molécula que armazena energia, produzida pelos pulgões. O resultado foi surpreendente: quando o inseto era posto em um lugar iluminado, a síntese de ATP era duas vezes maior.

Segundo Jean-Cristophe Valmalette, físico da Universidade do Sul Toulon-Var, na França, e coautor do estudo, a variação da síntese de ATP nas duas situações comprova a transformação da energia luminosa em energia química nos insetos. “Em geral, a ATP é produzida a partir da glicose obtida na alimentação, mas, no caso das plantas e desses pulgões, ele é gerado a partir da luz”, explica.

A equipe ainda não sabe dizer ao certo como esses insetos fazem a captação de luz, mas apostam na relação do carotenoide com o fenômeno. Produzido apenas por plantas e alguns microrganismos, o pigmento parece ter se tornado produto do metabolismo dos pulgões após a aquisição do gene de um fungo ou bactéria, já que a seiva da planta que serve como alimento para a espécie não contém essa substância.

“O carotenoide está em vegetais como a cenoura e é muito importante para a alimentação de diversos animais, mas o único que produz esse pigmento é o pulgão”, revela Valmalette.

Diferenças de cor

Uma evidência do envolvimento dos carotenoides no fenômeno está nas cores dos insetos observados no estudo. Enquanto pulgões alaranjados – que possuem essa cor em função da produção de carotenoides – exibiram grande variação da síntese de ATP em ambiente com e sem luz, os insetos brancos – que não produzem o pigmento – não mostraram a mesma variação.

Os pesquisadores também observaram pulgões verdes, que, apesar de serem os maiores produtores de carotenoides da espécie, têm essa cor devido à associação da substância a outros pigmentos. “Eles têm muito pigmento, mas não exibiram variação na síntese de ATP porque têm uma reserva de energia maior que os outros e precisam ficar mais tempo sem alimento para escolher usar a energia da luz.”

Pulgão verde
Pulgões verdes também foram estudados, mas como eles têm uma reserva de energia maior que os outros – por necessidades ambientais –, precisariam ficar mais tempo sem alimento para usar a energia da luz. Sua cor é resultante da associação da carotenoide com outros pigmentos. (foto: Shipher Wu/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)

A cor dos pulgões oferece indícios sobre o lugar de nascimento desses insetos. Enquanto os alaranjados habitam locais com temperatura ideal – média de 22° C –, os verdes nascem em lugares frios e os brancos, em ambiente com pouca comida disponível. “Os brancos precisam de uma alternativa para obter energia, mas não produzem carotenoides porque essa molécula é cara para o metabolismo”, diz o físico. “Entretanto, quando ainda são filhotes, adquirem asas e voam para locais com mais alimento, podendo originar populações de outra cor.”

Pulgão x lesma

“É por conseguir sobreviver mesmo na ausência de alimentos que a espécie está em nosso planeta há 250 milhões de anos”

Quem acompanha a busca dos cientistas por um animal capaz de fazer fotossíntese pode ter lembrado da Elysia chlorotica, uma lesma que consegue absorver a energia da luz após se alimentar de algas. “Alguns jornais divulgaram a informação de maneira errada, pois a lesma não produz nenhum pigmento e depende da clorofila da alga que comeu”, explica Valmelette.

Diferentemente da lesma, o pulgão possui o gene para a produção de carotenoide e pode passar a característica para os filhotes. “É por conseguir sobreviver mesmo na ausência de alimentos que a espécie está em nosso planeta há 250 milhões de anos”, completa o pesquisador.

Mariana Rocha
CHC On-line

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