Solução definitiva

 

Até 2010, um novo medicamento deverá estar no mercado à disposição dos portadores de aterosclerose. Pesquisadores do Laboratório de Fisiologia Celular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) conseguiram desenvolver um composto que poderá servir de base para tratamento e até prevenção da doença, sem a necessidade de procedimentos cirúrgicos ou intervencionistas e sem os efeitos colaterais ocasionados por drogas utilizadas atualmente.

 
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Camundongo geneticamente modificado para se tornar mais propenso ao desenvolvimento da aterosclerose. A foto do alto mostra o indivíduo doente; a de baixo mostra o animal após duas semanas de tratamento com o LipoCardium, quando foi observada uma melhoria significativa do estado do animal (foto: reprodução).

A descoberta da formulação foi feita pela equipe coordenada por Paulo Ivo Homem de Bittencourt Júnior, que obteve sucesso em testes administrados por injeção em camundongos geneticamente modificados. Pacientes estão sendo cadastrados para as primeiras aplicações em humanos, mas para isso, ainda serão necessários mais cinco anos. Dentro do protocolo científico, ainda é necessário que sejam realizados antes disso experimentos com mais duas espécies de mamíferos.

 
Provocada por diversos fatores, a aterosclerose é uma doença de caráter inflamatório que se caracteriza pelo entupimento das artérias coronárias. A obstrução do sangue normalmente é causada pelo acúmulo de gordura nas paredes dos vasos, o que leva ao espessamento destes. Como conseqüência, o portador do quadro clínico pode sofrer danos como isquemia cerebral e infarto do miocárdio.
 
Para a desobstrução das artérias, os tratamentos vão da inserção de cateteres com balonetes, que varrem o interior dos vasos e dilatam as paredes para permitir a circulação sanguínea, até a ingestão de antioxidantes e vitaminas, que freiam a formação das placas de gordura. Além do desconforto, o problema do uso de balonetes é que eles não impedem que o problema volte a acontecer. No caso dos antioxidantes, as placas gordurosas formadas antes do início do tratamento não são dissolvidas.
 
A nova promessa para a luta contra a aterosclerose surgiu em 1987, quando Bittencourt Júnior estudou as prostaglandinas em seu doutorado em Fisiologia na Universidade de São Paulo. De lá pra cá, conseguiu aperfeiçoar a composição da droga nos laboratórios da UFRGS.
 
Com estruturas semelhantes às das gorduras, as prostaglandinas são moléculas de ácido graxo que desempenham funções distintas em diferentes partes do corpo, como o controle da pressão arterial e a sensação de dor. Após verificar que as prostaglandinas ciclopentenônicas (CP-PGs, sigla em inglês) têm ação antiinflamatória e de inibição do surgimento de ateromas, o pesquisador percebeu que esta solução para a aterosclerose teria graves efeitos colaterais, comuns em tratamentos como a quimioterapia, ou seja, queda de cabelo, problemas intestinais e mal-estar geral. A solução encontrada foi isolar as moléculas de CP-PGs em lipossomos, cápsulas de gordura, impedindo que a substância circulasse diretamente no sangue.
 
Como apenas as células doentes das paredes dos vasos apresentam moléculas de adesão vascular, Bittencourt Júnior teve a idéia de agregar à formulação desenvolvida uma proteína que se encaixa perfeitamente nessas moléculas. Assim, as prostaglandinas envolvidas por lipossomos circulam normalmente pelas artérias e sua liberação acontece somente no interior das células danificadas.
 
Com base na formulação injetável, já patenteada, os pesquisadores da UFRGS desenvolvem agora uma nova forma de aplicação, que chamam de LipoCardium Plus. No sentido de facilitar o uso contínuo do produto, a nova versão vai se apresentar na forma de um dispositivo subcutâneo, que terá os mesmos efeitos da injeção e funcionará como os aparelhos de liberação lenta de hormônios.
 
O tratamento com qualquer forma do medicamento será, na prática, definitivo. “Após o uso do LipoCardium, acreditamos que a doença demoraria mais tempo do que a expectativa de vida do paciente para voltar a se manifestar”.
 
Outra vantagem do LipoCardium Plus é o custo final para o paciente, que não ultrapassará os R$ 2 mil, valor gasto pelos pesquisadores na confecção artesanal do composto. Em escala industrial, o preço cairá muito, mas mesmo considerando-se o valor gasto na UFRGS, a terapia sai bem mais em conta do que intervenções hospitalares como cateteres com balonetes, que não são feitas por menos de R$ 5 mil e têm efeito de curto prazo.
 
A confirmação da previsão de mais cinco anos para o lançamento da droga vai depender do convênio que deve ser firmado com algum laboratório farmacêutico nos próximos meses. “Já temos oito empresas interessadas em produzir o LipoCardium”, conta Bittencourt Júnior. “Mesmo que o laboratório não possua as máquinas necessárias para a produção do composto, não será necessário mais do que R$ 10 milhões”, afirma.
 
O gasto não demoraria a ser compensado, afinal não faltam consumidores em potencial. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, cerca de 30% de todas as mortes registradas no mundo estão ligadas a doenças cardiovasculares resultantes da aterosclerose. No Brasil, 1,15 milhão das internações que acontecem todo ano, gerando um custo próximo dos R$ 475 milhões, e 40% das aposentadorias precoces estão relacionadas às doenças cardiovasculares.
 

Mais informações sobre a aterosclerose e o desenvolvimento do LipoCardium podem ser obtidas no site do Laboratório de Fisiologia Celular da UFRGS .

Célio Yano
Especial para a CH On-line / PR
23/09/05