Sons de arrepiar

Unhas arranham o quadro-negro, um garfo raspa o fundo da panela, um giz se arrasta na superfície da lousa. Essas situações perturbadoras produzem sons igualmente aversivos para a maioria de nós. Mas por que nos incomodamos tanto com esses sons? Essa pergunta curiosa motivou pesquisadores a escanear o cérebro de pessoas em busca de uma resposta.  

Neurocientistas da Universidade de Newcastle, Inglaterra, e do Centro Wellcome Trust de Neuroimagem, nos Estados Unidos, vêm estudando essa questão desde 2008. Em seu mais recente experimento, eles reuniram 13 voluntários para um teste de arrepiar. 

As pessoas foram submetidas a 78 sons considerados desagradáveis enquanto tinham seus cérebros monitorados em uma máquina de ressonância magnética. A lista de barulhos incluía os clássicos citados no início deste texto, similares, como o som de uma régua arranhando uma garrafa de vidro, e ainda choros de animais e assobios.

Depois dessas sessões de ‘tortura’ consentida, os pesquisadores analisaram a atividade cerebral registrada pela ressonância e viram uma interação entre a região do cérebro responsável pela audição, o córtex auditivo, e a ligada ao controle das emoções, a amígdala.

Nosso cérebro nos faz ouvir mais intensamente os sons que consideramos desprezíveis

“Descobrimos que a atividade dessas regiões estão diretamente ligadas ao desconforto que os voluntários sentiram ao ouvir os sons”, diz o neurocientista líder da pesquisa, Sukhbinder Kumar, da Universidade de Newcastle. “Vimos que a amígdala avalia o nível de desconforto causado pelos sons e então modula a atividade do córtex auditivo de modo que a nossa percepção é intensificada quando ouvimos um som irritante.”

Segundo ele, os sons considerados mais perturbadores pelos voluntários estavam na faixa entre 2.000 e 5.000 Hz – muito acima da voz humana, que fica em torno 200 Hz. Isso quer dizer que nosso cérebro nos faz ouvir mais intensamente os sons que consideramos desprezíveis. Kumar não sabe afirmar por que isso acontece, mas tem uma aposta. 

Sabe-se que ouvir sons nessas frequências pode causar danos às células do ouvido, então o pesquisador acredita que a resposta do nosso cérebro a esses barulhos possa ser uma estratégia de defesa, um alarme que indica que não devemos escutar esses sons potencialmente perigosos. 

Essa explicação foi levantada por Kumar em um estudo feito antes desse último experimento. O biofísico Ronald Ranvaud, da Universidade de São Paulo (USP), também já havia dado a mesma explicação a um leitor da Ciência Hoje que perguntou sobre os “calafrios e nervoso” que sentia ao ouvir determinados sons agudos. 

A pesquisa de Kumar é curiosa, mas não fica apenas nessa seara. O estudo pode ajudar na compreensão de distúrbios relacionados à hipersensibilidade sonora. “Certas desordens, como o zumbido no ouvido e a encefaleia, deixam as pessoas supersensitivas aos sons”, diz. “Pistas para entender esse problema podem ser conseguidas em nosso estudo e são importantes também para saber como o cérebro normal processa os sons aversivos.”
 

Confira os sons votados como mais irritantes pelos voluntários da pesquisa 


1. Faca arranha garrafa:

2. Garfo no vidro:

3. Giz no quadro-negro:

4. Régua arranha garrafa:

5. Unhas no quadro-negro:

 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line