Spray contra o esquecimento

Pode parecer estranho, mas um spray de insulina aplicado no nariz vem sendo testado para o combate do Alzheimer, doença neurodegenerativa sem cura que atinge 32 milhões de pessoas no mundo. A novidade foi apresentada pelo psicólogo e biólogo Manfred Hallschmid, da Universidade de Tübingen (Alemanha), durante palestra no 6º Fórum Mundial de Ciência, ocorrido esta semana no Rio de Janeiro.

A insulina é o hormônio envolvido na retirada de glicose do sangue e na sua entrada nas células para produzir energia. A pouca produção dessa substância pelo corpo resulta no diabetes mellitus, que é tratado com injeções regulares de insulina.

Estudos têm mostrado que o diabetes e a doença de Alzheimer têm uma forte relação

Mas o que esse hormônio tem a ver com o Alzheimer? Estudos da equipe de Hallshmid e de pesquisadores brasileiros têm mostrado que o diabetes e essa doença neurodegenerativa têm uma forte relação.

Há alguns anos, cientistas descobriram que o diabetes pode ser um fator de risco para o Alzheimer. Pesquisas desenvolvidas nos últimos cinco anos pela bioquímica Fernanda de Felice e colegas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) demonstraram que o contrário também ocorre. O Alzheimer pode causar um tipo de ‘diabetes cerebral’.

Os pesquisadores brasileiros viram que, em pacientes com Alzheimer, os receptores de insulina cerebrais não funcionavam corretamente porque estavam ‘cobertos’ por placas de proteína beta-amiloide. Essas placas são a principal característica do Alzheimer e estão diretamente ligadas à perda de memória vista nos pacientes.

Neurônio coberto com proteína beta-amiloide
Em pacientes com Alzheimer, os neurônios ficam cobertos com placas da proteína beta-amiloide, que impede o funcionamento correto dos receptores de insulina no cérebro. (foto: Linnea Rundgren/ BBC)

A equipe da UFRJ chegou a fazer testes em animais com Alzheimer fornecendo a eles medicamentos que potencializam a ação da insulina. Como resultado, os cientistas observaram que, com o aumento da insulina, os animais tiveram as placas de beta-amiloide reduzidas e passaram a absorver o hormônio no cérebro. A mudança resultou em melhor desempenho em tarefas de memória por parte dos animais.

Agora, a equipe de Hallschmid, em colaboração com a médica Susan Craft, da Universidade de Washington, está coordenando ensaios clínicos em humanos com o uso da insulina injetada pelo nariz para combater a perda de memória tanto em pacientes com Alzheimer quanto em pessoas saudáveis.

“Observamos que injetar a insulina pelo nariz é a melhor forma de fazer com que o hormônio chegue diretamente ao cérebro sem precisar passar pela corrente sanguínea e se espalhar por todo o corpo, o que poderia alterar o nível de glicose sanguínea e ser prejudicial ao paciente”, diz o pesquisador.

Terapia promissora

Hallschmid testou a nova abordagem em 19 pessoas saudáveis. Durante oito semanas, elas receberam diariamente o spray nasal de insulina e listas de palavras para memorizar. Ao final do experimento, elas tiveram que repetir a lista e demonstraram melhor memória do que o grupo controle, que tentou decorar a lista sem receber a insulina.

Os pacientes que receberam doses moderadas de insulina demonstraram melhorias cognitivas em comparação com os que não receberam a substância

Nos Estados Unidos, Susan Craft testou diferentes doses do spray de insulina em 104 pacientes com Alzheimer. Os que receberam doses moderadas do hormônio demonstraram melhorias cognitivas em comparação com os que não receberam a substância.

Para Hallshmid, a insulina intranasal é uma abordagem terapêutica promissora para o Alzheimer. Mas o pesquisador lembra que ainda são necessários mais testes clínicos antes que o uso da substância seja recomendado. “A insulina é uma droga disponível nas farmácias e facilmente acessível”, comenta. “Qualquer um poderia comprá-la e espirrá-la no nariz de um parente idoso, mas eu não recomendo que as pessoas façam isso, pois embora nossos resultados sejam muito bons, pode haver efeitos colaterais que ainda não percebemos em nossos testes.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line