Superação de estereótipos

Muito se fala sobre o desempenho inferior das mulheres no aprendizado de ciências exatas. Um estudo norte-americano indica que o aspecto psicológico associado à preocupação feminina de não confirmar esse estereótipo é um dos fatores por trás dessa diferença entre os gêneros. A conclusão baseia-se nos efeitos positivos que a aplicação de exercícios de afirmação de valores subjetivos teve sobre a performance de alunas em testes de física.

A pesquisa, publicada na Science desta semana, foi motivada por uma constatação preocupante: a de que as mulheres de diversas partes do mundo estão sub-representadas em profissões ligadas a ciência, tecnologia, engenharia e matemática. E mais: na faculdade de física que foi alvo da pesquisa, as notas das mulheres eram mais baixas que as dos homens, tanto nas provas quanto em testes padronizados de física conceitual.

Lise Meitner
A física austríaca Lise Meitner (1878-1968), integrante do grupo que descobriu a fissão nuclear. As mulheres estão sub-representadas em profissões ligadas a ciência, tecnologia, engenharia e matemática, o que contribui para o estereótipo de que há uma diferença entre os gêneros no aprendizado de ciências exatas (foto: Departamento de Energia dos Estados Unidos).

Muitos já são os métodos que buscam amenizar essa lacuna entre os gêneros. Mas a grande questão, para os autores do estudo, é que a maior parte das iniciativas ainda não leva em conta os processos sóciopsicológicos que culminam nas diferenças de aprendizado entre os sexos.

“A performance das mulheres, em testes difíceis de ciência e matemática, pode ser afetada na medida em que elas temem que seu mau desempenho seja visto de modo a confirmar um estereótipo negativo de gênero”, explica em comunicado à imprensa Akira Miyake, pesquisador da Universidade do Colorado (Estados Unidos) e um dos autores do artigo.

Exercícios motivadores

O estudo se propôs a testar se uma intervenção psicológica motivadora – apoiada na influência de valores afirmativos – reduziria as diferenças no desempenho entre alunos e alunas de uma turma de física da Universidade do Colorado. Foram aplicados exercícios escritos a 399 alunos do curso introdutório de física. Os estudantes foram aleatoriamente divididos em dois grupos mistos: o grupo controle e o grupo de valores afirmativos.

Os alunos deste último grupo deveriam selecionar, de uma lista com 12 valores subjetivos, os que julgassem mais importantes, e, em uma etapa seguinte, escrever um texto justificando suas escolhas. O grupo controle, por sua vez, deveria fazer o mesmo em relação aos valores que julgassem menos importantes, justificando por que poderiam ser importantes para outras pessoas. O exercício durou 15 minutos e explorou valores ligados a relações humanas, aprendizado e ganho de conhecimento.

Depois dos exercícios, o conceito da maioria das alunas subiu de C para B nos exames

Em uma segunda atividade, on-line, as alunas dos dois grupos deveriam responder se concordavam ou não com uma afirmação que reconhecia o desempenho superior dos homens em física.

Os pesquisadores observaram que, depois dos exercícios, o conceito da maioria das alunas que participaram do grupo de valores afirmativos subiu de C para B nos exames. E um dado revelador: as integrantes desse mesmo grupo que disseram concordar com o estereótipo sugerido na atividade on-line foram ainda mais sensíveis às atividades, apresentando notas mais altas na prova e melhor domínio conceitual de física do que as que discordaram do estereótipo.

Psicologia e afirmação de valores

“Os valores afirmativos, com os quais as pessoas refletem sua autodefinição de valores, podem protegê-las contra as ameaças psicológicas, como medo, ansiedade e estresse”, explicam os autores do estudo. “E esses resultados nos dizem que a escrita de textos autoafirmativos melhorou o desempenho feminino nas provas, aliviando a ansiedade das estudantes”, complementa Miyake.

“A intervenção de valores afirmativos é uma promessa, especialmente quando combinada com reformas educacionais para melhorar o aprendizado dos estudantes”

Apesar do sucesso da medida, o pesquisador alerta que a intervenção psicológica não elimina magicamente as diferenças entre os gêneros. “A situação é mais complicada que isso, e há muitos fatores contribuindo para a lacuna entre os gêneros em disciplinas de ciências exatas”, considera Miyake. Segundo a equipe, um deles está ligado também ao fato de que as mulheres geralmente entram menos preparadas na faculdade de física.

“Ainda assim, a intervenção de valores afirmativos é uma promessa, especialmente quando combinada com reformas educacionais para melhorar o aprendizado dos estudantes”, pondera o autor. E propõe: “Intervenções como esta podem ajudar a preparar cursos de ciência desafiadores e, possivelmente, menos intimidadores e mais acessíveis a uma fração maior da população.”

Carolina Drago
Ciência Hoje On-line