Superação em 3D

Quem nunca ouviu dizer que o melhor remédio para vencer traumas e medos é encarar esses problemas de frente? Para muitos essa é uma ideia arriscada. Mas para alguns profissionais da psicologia, nem tanto.

A estratégia vem sendo adotada pelo grupo de pesquisa Cognição, Emoção e Comportamento, da Faculdade de Psicologia da PUC do Rio Grande do Sul com o objetivo de amenizar traumas sofridos por bancários que foram vítimas de violência no trabalho (assalto ou sequestro). A equipe alia a velha e boa psicoterapia com sessões de realidade virtual.

Sindicato dos bancários de Porto Alegre contabilizou 105 ataques a bancos na capital e região metropolitana em 2010

O projeto tem o apoio do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, que contabilizou 105 ataques a bancos em 2010. O estudo teve início em 2007 e pretende atender, em uma primeira etapa, cerca de 60 pacientes.

O tratamento lança mão inicialmente da terapia cognitivo-comportamental, que emprega técnicas de relaxamento e abordagens psicoeducacionais. O diferencial está na segunda fase do tratamento, quando o paciente deve voltar ao cenário do assalto e relembrar os fatos. Dessa vez, de forma virtual.

Para o psicólogo Christian Haag Kristensen, que coordena o projeto, a nova técnica pode ser usada com pacientes que desenvolvem transtorno de estresse agudo ou transtorno de estresse pós-traumático, patologias normalmente causadas por situações de medo e pânico.

“É essencial que o paciente, antes de chegar à fase de enfrentamento, tenha se submetido às sessões iniciais de terapia cognitiva”, alerta Kristensen. Isso dará a ele uma noção mais concreta do distúrbio e orientações para enfrentá-lo.

Para viabilizar a ideia de Kristensen, sua equipe (formada por cerca de 20 colaboradores) teve o apoio do pesquisador Márcio Pinho, da Faculdade de Informática (Facin) da PUCRS. Pinho desenvolveu uma agência bancária virtual, muito semelhante às agências em funcionamento no Brasil.

Porta giratória, máquinas de autoatendimento, mesas de gerência, cofres e caixas são apresentados ao paciente de forma tridimensional. As sessões de exposição à realidade virtual ocorrem na Facin e têm o apoio do Grupo de Realidade Virtual.

Tudo em movimento

No cenário do banco virtual circulam clientes e funcionários representados por bonecos em formato 3D. Alguns são autônomos, outros podem ser controlados pelo psicoterapeuta.

Durante toda a simulação, o paciente usa óculos que possuem, no lugar das lentes tradicionais, minimonitores de computador. Isso garante que a experiência se aproxime muito de situações reais.

Sessão de realidade virtual
Pesquisadores do grupo ‘Cognição, Emoção e Comportamento’ em laboratório da Faculdade de Psicologia da PUCRS. O uso de óculos especiais durante as sessões de realidade virtual faz com que o paciente reviva os fatos que causaram traumas. (foto: Gilson Oliveira/ PUCRS)

Ao realizar um simples movimento de cabeça, o paciente já percebe mudanças no ambiente ao seu redor. “É como se estivesse ‘imerso’ no banco virtual”, explica Pinho.

Para permitir tais efeitos, os óculos têm uma espécie de bússola que capta os movimentos de rotação do corpo e fornece ao programa dados que permitem a atualização das imagens do cenário.

O terapeuta pode criar situações especiais no banco virtual, como induzir um assalto, com tiros, agressões e gritos

Além desses recursos, o terapeuta pode criar situações especiais no banco virtual, como produzir o movimento brusco de um cliente, fazer com que um funcionário caminhe em direção ao cofre e até mesmo induzir um assalto, com tiros, agressões e gritos.

Todos os profissionais do setor bancário que experimentaram situações de violência durante o trabalho podem participar do projeto, que tem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Mas antes do início do tratamento eles devem passar por uma avaliação psicológica.

Até agora, seis pacientes iniciaram o tratamento. Segundo Kristensen, a resistência em buscar ajuda é o maior empecilho para que as pessoas consigam superar os traumas. “A maioria delas só procura apoio depois de muitos anos, quando já é tarde demais para se conseguir recuperação”, afirma o psicólogo.

Katy Mary de Farias

Especial para a CH On-line/ PR