Surpresa nas bromélias

A mata atlântica é um dos biomas com maior diversidade de fauna e flora no mundo. Por isso, apesar do avançado grau de desmatamento e da diminuição de seu território – apenas 7% da área original ainda existem –, ela continua capaz de nos reservar gratas surpresas. Esse foi o caso da descoberta de uma nova espécie de perereca que habita bromélias no interior do Rio de Janeiro.

Encontrado no município de Miguel Pereira, na região Centro-Sul fluminense, próximo à Reserva Biológica Federal do Tinguá, o animal foi batizado de Scinax insperatus e faz parte de um grupo de pererecas que vivem em bromélias do gênero Alcantarea, como a bromélia-imperial (Alcantarea imperialis), onde a nova espécie foi coletada. Essa planta é típica de paredões rochosos que ficam expostos ao Sol na mata atlântica, como o Pão de Açúcar.

“Estávamos produzindo um mapa mais bem elaborado da distribuição de outra espécie quando a encontramos”

A descoberta, publicada na revista científica Zootaxa, foi acidental. “Estávamos na verdade produzindo um mapa mais bem elaborado da distribuição de outra espécie quando a encontramos”, lembra Hélio Ricardo da Silva, biólogo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e coautor do trabalho.

A surpresa do achado acabou influenciando diretamente o nome da nova perereca: insperatus quer dizer inesperada em latim.

Parecida, mas diferente

A outra espécie que os biólogos mapeavam é uma velha conhecida, a Scinax v-signatus, muito semelhante à perereca recém-descoberta. A grande diferença da Scinax insperatus está em seu estágio larval. Quando girinos, esses anfíbios apresentam marcas amareladas na lateral de sua longa cauda, característica ausente nas outras espécies do gênero.

Girino de Scinax insperatus
A ‘Scinax insperatus’ difere das outras espécies do mesmo gênero pelas marcas amareladas em sua longa cauda quando está na fase de girino. (foto: Hélio Ricardo da Silva e Ricardo Alves-Silva)

A Scinax insperatus e a Scinax v-signatus pertencem a um grupo de pererecas bem particulares, que utilizam a água da chuva acumulada nas bromélias para se reproduzirem e criarem seus girinos. Essas ‘pererequinhas’ medem entre 1 cm e 5 cm de comprimento e vivem a maior parte de suas vidas dentro dessas plantas, que chegam a acumular cerca de 20 litros de água em seu interior, tornando-se verdadeiros aquários suspensos essenciais para a proliferação desses animais.

As bromélias tornam-se verdadeiros aquários suspensos essenciais para a proliferação desses animais

Os biólogos procuram agora mapear a existência das pererecas de bromélia em todo o território do Rio de Janeiro, incluindo o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, que fica na serra do Mar, para entender melhor como essas espécies se distribuem e vivem. “Estamos trabalhando em um esforço conjunto com zoólogos, biólogos moleculares e botânicos”, afirma Silva.

A equipe pretende entender como pererecas do mesmo grupo da Scinax insperatus se relacionam com as bromélias e como as mudanças climáticas afetaram e poderão afetar essas espécies. “Condições mais secas ou mais úmidas devem impactar a distribuição da planta e, consequentemente, dos animais”, acrescenta o biólogo.

O pesquisador ressalta ainda que a descoberta é importante para reafirmar a necessidade de se preservarem as áreas remanescentes de mata atlântica, principalmente em torno dos principias centros urbanos, como o Rio de Janeiro. 

Ana Carolina Correia

Ciência Hoje On-line