Tão perto, tão longe

Separadas por apenas 5 km da praia de Ipanema, na zona Sul do Rio de Janeiro, as ilhas Cagarras já se tornaram um dos cartões postais da cidade. Mas, apesar da proximidade e de sua fama, essas ilhas guardam uma biodiversidade ainda pouco conhecida. Essa lacuna vem sendo preenchida pelo projeto Ilhas do Rio, realizado pelo Instituto Mar Adentro. Em 18 meses de pesquisas, foi possível descrever duas novas espécies de animais, identificar interações ecológicas entre insetos da ilha, encontrar artefatos de pedra polida atribuídos a indígenas, entre outras descobertas.

O arquipélago é o segundo maior ninhal de fragatas da costa brasileira

Em abril de 2010, as ilhas Palmas, Cagarra, Comprida, Redonda e as ilhotas Filhote da Cagarra e Filhote da Redonda foram demarcadas como unidade de conservação ambiental de proteção integral e passaram a compor o MoNa Cagarras (Monumento Natural das Ilhas Cagarras).

Há duas possíveis explicações para o nome Cagarras. Uma delas tem origem em uma ave marinha do gênero Calonectris – chamada popularmente de “Cagarra” – encontrada em Portugal e muito parecida com as fragatas brasileiras que habitam o arquipélago. Mas a explicação mais comum sobre o nome das ilhas está relacionada à presença abundante de fezes das aves da região, que, com a água da chuva, escorrem pela rocha. O arquipélago é o segundo maior ninhal de fragatas da costa brasileira, totalizando cerca de cinco mil aves. Aproximadamente dois mil atobás-marrons também fazem seus ninhos em algumas ilhas da unidade de conservação.

Medindo bico de ave
Milhares de fragatas e atobás-marrons fazem seus ninhos no arquipélago das Cagarras. (foto: Fernando Moraes)

Segundo o botânico Massimo Bovini, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, as fezes das aves que habitam a área contêm guano, que é a parte mineral do excremento. Apesar de ser um excelente fertilizante para solos pobres, o guano em grandes concentrações aumenta a acidez da terra e se torna prejudicial à flora do local.

“O solo muito ácido de algumas das ilhas é um ambiente inóspito para muitas espécies vegetais”, afirmou Bovini, durante evento realizado em setembro no Museu do Meio Ambiente do Jardim Botânico para discutir as descobertas científicas do projeto Ilhas do Rio, reunidas no livro Monumento Natural das Ilhas Cagarras. A obra, que tem tiragem limitada de 3 mil exemplares, não será vendida, mas está disponível para consulta em bibliotecas públicas e centros de pesquisa como o próprio Jardim Botânico.

Biodiversidade desvendada

O projeto Ilhas do Rio reúne zoólogos, botânicos, arqueólogos, oceanógrafos, biólogos marinhos, entre outros pesquisadores de diversas instituições interessados em estudar pela primeira vez a biodiversidade e a história das ilhas Cagarras.

O biólogo marinho Fernando Moraes, um dos idealizadores do projeto, ressaltou os obstáculos enfrentados pelos pesquisadores nessa empreitada. “As ilhas são de difícil acesso e alguns pontos só são acessíveis por escalada; não há água potável e tudo e todos que estão no solo são alvos constantes das fezes das aves marinhas.”

Apesar das dificuldades, muito conhecimento sobre a região já foi produzido. Os pesquisadores já identificaram uma nova espécie de perereca, uma de esponja marinha recentemente descrita (Latrunculia janeirensis) e uma provavelmente nova de barata-do-mato. Além disso, os especialistas acreditam que outras cinco espécies registradas podem ainda não ter sido descritas pela ciência, já que eles estão encontrando dificuldade para identificá-las.

Barata-do-mato
Os pesquisadores encontraram no arquipélago uma barata-do-mato que, segundo especialistas, pode ser uma espécie nova para a ciência. (foto: Fernando Moraes)

A equipe também registrou nas ilhas uma curiosa – e já conhecida – interação entre formigas e cigarrinhas. As cigarrinhas são insetos que parasitam algumas plantas e liberam uma secreção adocicada que atrai formigas. A presença das formigas próximas às cigarrinhas garante que estas não sejam atacadas por predadores.

Os dados sobre a diversidade de animais e plantas do arquipélago não são obtidos apenas por meio da coleta de espécimes, mas também do extenso acervo fotográfico produzido – aliás, uma das fotos dessa coleção, a de uma garoupa tirada pelo oceanógrafo e fotógrafo Áthila Bertoncini, ganhou destaque nacional nas notas de 100 reais. As fotografias auxiliam a identificação posterior das espécies e, por vezes, garantem a precisão desse trabalho, por eternizar características físicas e comportamentais que podem se perder após a coleta.

Durante as excursões ao arquipélago também foram encontrados pedaços de cerâmica moldada e utensílios de pedra. Esses objetos indicam a presença de índios no local e levaram os antropólogos do projeto a deduzir que as ilhas poderiam ter sido uma espécie de templo indígena ou área de obtenção de alimentos (coquinhos da palmeira jerivá e ovos de aves marinhas)..

Conhecimento e preservação

O levantamento de dados biológicos e ambientais sobre as ilhas Cagarras vai ajudar na criação do plano de manejo da área. A gestora dessa unidade de conservação, Fabiana Bicudo, chamou a atenção para a importância da formulação de um plano de manejo para possibilitar a gestão do arquipélago pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “O conhecimento científico da área é essencial para justificar medidas de restrição de uso pela população.”

A gestão ambiental de uma unidade de conservação não é um empecilho à atividade turística ou aos pescadores que utilizam a área, mas sim uma via de informação de mão dupla

Bicudo ressaltou que a gestão ambiental de uma unidade de conservação não é um empecilho à atividade turística ou aos pescadores que utilizam a área, mas sim uma via de informação de mão dupla entre esses grupos e a pesquisa desenvolvida no local, de modo a garantir um uso sustentável dos recursos da região.

Fernando Moraes destacou que o levantamento feito pelo projeto tem grande potencial para ser usado em atividades de educação ambiental, devido ao apelo visual das ilhas Cagarras, já bastante conhecidas no Rio de Janeiro. Segundo o pesquisador, o material biológico coletado foi organizado em uma coleção zoológica específica daquela região. “Isso é algo muito raro de se obter”, enfatizou, acrescentando que o material está disponível para empréstimo gratuito a escolas interessadas por meio da Seção de Assistência ao Ensino do Museu Nacional/ UFRJ.

Na área de educação ambiental, o projeto tem uma parceria com a colônia de pescadores de Copacabana, por meio da qual revitalizou o centro de visitantes dessa colônia, localizado no posto 6 do litoral da zona Sul carioca e onde há painéis informativos, uma minibiblioteca e um aquário com espécies marinhas do ecossistema das ilhas Cagarras. Semanalmente, o centro realiza palestras abertas ao público sobre o MoNa Cagarras e a preservação dos ecossistemas marinhos.

Confira mais imagens das ilhas Cagarras.

Caetano Dable
Ciência Hoje On-line