Tem ciber nessa política

Visite o portal do governo do seu estado ou município na internet. Primeira pergunta: ele existe? Se sim, como ele é? É de fácil navegação, tem interface agradável e interatividade? Ou é burocrático, com links quebrados e conteúdo hermético?

Pois é. Os estados e municípios brasileiros ainda não estão totalmente conectados. Por outro lado, a participação política da sociedade por meio da internet já é considerada um fenômeno consistente, graças às repercussões das eleições deste ano no Twitter, em blogues e redes sociais, e também ao projeto do marco civil e à reformulação da lei de direitos autorais, cujas elaborações se deram colaborativamente na rede.

Os estados e municípios brasileiros ainda não estão totalmente conectados

Diante desse cenário, é natural que o impacto das novas tecnologias de informação sobre os sistemas político, cultural e cidadão se torne um objeto de estudo para os cientistas sociais.

Como reflexo desse interesse, o tema foi tratado em três seminários no 34º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), que acontece esta semana em Caxambu (MG).

Site do Estado do Rio de Janeiro
Mesmo o portal do Rio de Janeiro, um dos maiores estados do país, é carente de informação, tem visual ‘1.0’ e navegação truncada (foto: reprodução).

 

Batizada de ‘Ciberpolítica, ciberativismo e cibercultura’, a série de debates marca a primeira vez em que o assunto encontra espaço exclusivo de discussão no encontro. Na tarde de terça, houve o primeiro deles – dedicado à ciberpolítica – com quatro trabalhos voltados para a apropriação do governo sobre as tecnologias de informação, principalmente em portais de municípios, estados e ministérios.

Também foi bastante discutida a participação da sociedade nas ferramentas digitais do governo, como o blogue sobre o projeto de lei do Vale Cultura, do Ministério da Cultura.

O clima geral entre os participantes e a plateia, ao final do dia, era de relativo desânimo: o blogue do Vale Cultura tem poucos comentários, os municípios com menor IDH de Minas Gerais não têm qualquer representação na internet e a navegabilidade de muitos portais de secretarias estaduais do país é ruim.

Foi quando o coordenador do seminário, o sociólogo Sérgio Amadeu da Silviera, da Universidade Federal do ABC, fez um contraponto: a participação política da sociedade civil brasileira na internet não é fraca. Ela já tem peso, segundo ele, mas ainda está no início de um longo processo – bem como a digitalização das diversas instâncias do governo.

Amadeu conversou com a CH On-line durante o evento. Leia os trechos mais marcantes abaixo:

CH On-line: Por que até este ano não havia na Anpocs um espaço específico destinado à discussão dos impactos das novas tecnologias de informação na sociedade?

Sérgio Amadeu: Nos anos passados, esse tema surgiu dentro de outros núcleos temáticos. Então achamos que, para adquirir relevância, era preciso montar um seminário. É a primeira vez que um seminário como este foi proposto, e ficamos contentes que ele tenha sido aceito. Houve cerca de 50 trabalhos enviados, o que foi uma quantidade surpreendente, uma vez que fizemos divulgação de última hora. Espero que consigamos ter esse grupo temático nos outros anos: vai dar um fôlego maior e ampliar o debate sobre cibercultura e ciberpolitica.

Você acha que a falha da ciberpolítica brasileira se dá principalmente nas interfaces governamentais, mais do que na participação política da própria população?

“A internet não é uma panaceia. Ela é apropriada localmente pelas culturas que existem em determinados locais”

Não vejo falha, vejo um processo inicial. A internet não é uma panaceia. Ela é apropriada localmente pelas culturas que existem em determinados locais. É evidente que a participação política nos Estados Unidos na internet é diferente da que existe no Brasil. Mas ela existe. Não é uma participação idealizada – não se pode dizer que ela mudou qualitativamente o processo deliberativo no país –, mas ela abriu espaço para setores que antes não tinham ou não eram capazes de promover um debate desse tipo. Não acho que tenha havido aqui um ‘fracasso do uso da internet na política’. Por exemplo, basta olharmos a formulação do marco civil na internet: foi a primeira vez em que se formularam leis pela rede.

Mas por que há essa diferença de percepção? Por que alguns dizem que no Brasil não há participação política da sociedade, principalmente na internet?

Acho que há diversos grupos na sociedade que observam a sua relação com a política de um modo bem diferente do convencional. Esses grupos, na internet, existem. E a internet deixa claro que qualquer um pode participar de uma hora pra outra: vimos ondas no Twitter, nas redes sociais, manifestações claras de pessoas que não iriam entrar na reunião de um partido, mas que têm opinião política. Antes da internet, essa opinião política ficava pulverizada, não ficava registrada e nem era considerada. A internet hoje coloca para o cidadão comum uma possibilidade de fazer valer sua visão que não existia antes.

E isso vai gerar que tipo de alteração nas instituições políticas?

Não sei, mas sei que as instituições políticas que são intermediações de grupos com poder vão ter que considerar um novo intermediário, que é a rede. A rede não elimina outras intermediações, mas as enfraquece. E, no caso da política, acho que a estrutura do partido político, para muitos setores da sociedade, requer lealdades que esses grupos não estão dispostos a efetivar. A rede, por outro lado, permite que se encontrem aqueles que pensam igual. Não sei como isso vai acontecer exatamente. Estamos observando enquanto o movimento ocorre.

Isabela Fraga (*)
Ciência Hoje / RJ
(*) A repórter viajou a Caxambu a convite da Anpocs