Tem jabuti nessa árvore!

Jabuti sobe em árvore? Não. Se tem jabuti em árvore, é porque alguém colocou lá! Tudo indica que essa brincadeira popular vai precisar de uma revisão. Pesquisa desenvolvida no Instituto Mamirauá mostrou que jabutis sobem, sim, em árvores – ao menos os jabutis-amarelos (Chelonoidis denticulata) que vivem nas florestas de várzea da Amazônia.

O comportamento, inédito, foi observado durante uma pesquisa de campo realizada entre 2013 e 2015 pela bióloga Thaís Morcatty. Ela avaliou a presença da espécie na região de confluência entre os rios Japurá e Solimões, em uma área de 7 mil quilômetros quadrados que faz parte das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã, no Amazonas. Os resultados foram publicados na edição de outubro da revista Oryx, especializada em conservação da biodiversidade e uso sustentável de recursos naturais.

“Os jabutis conseguem se deslocar facilmente na água e, quando desejam, procuram galhos ou troncos inclinados onde possam subir para descansar”

Alagadas durante até cinco meses ao ano, as florestas de várzea ocupam cerca de 400 mil quilômetros da Amazônia – o equivalente a todo o território da Alemanha. Na época das cheias, a profundidade da água varia entre dois e cinco metros, o que deixa de fora apenas a copa das árvores e impede a permanência de animais que não consigam viver sem terra firme por um longo período. Pacas, antas e veados estão fora. Sobrevivem ali somente espécies adaptadas ao ambiente aquático (jacarés, lontras, tartarugas-da-amazônia) ou à vida em cima das árvores (macacos, aves e até onças-pintadas).

“Encontrar os jabutis-amarelos em ambiente de várzea é uma grande descoberta tanto para a ciência quanto para a sociedade”, comemora Morcatty. “Vimos que os jabutis conseguem se deslocar facilmente na água e, quando desejam, procuram galhos ou troncos inclinados onde possam subir para descansar”. A pesquisadora explica que, enquanto outros quelônios, como as tartarugas marinhas e os cágados, possuem o corpo adaptado ao ambiente aquático – com características como casco achatado e membranas entre os dedos –, o jabuti tem pés mais robustos e casco arredondado, particularidades mais compatíveis com a vida em ambiente terrestre.

Jabutis-amarelos conseguem nadar grandes distâncias
Considerados onívoros, os jabutis-amarelos podem se alimentar de vegetais ou outros animais, mas demonstram preferência por frutos, sendo um importante dispersor para as plantas locais. Apesar do corpo adaptado à vida terrestre, eles nadam muito bem, conseguem flutuar e até mergulhar. (foto: Aline Fidelix)

Há registros da presença de algumas espécies em regiões com corpos d´água rasos, como poças, que utilizam para se refrescar, mas a presença na várzea nunca havia sido reportada. “É surpreendente que um jabuti sobreviva bem tendo que viver na água durante tanto tempo, ano após ano, em um ambiente onde outros animais terrestres estão ausentes, mesmo aqueles com boa capacidade de natação”, ressalta. Durante a pesquisa de campo, a equipe se deslocou de canoa e observou os jabutis-amarelos nadando, boiando ou descansando sobre os galhos das árvores. A grande quantidade de animais observados na região sugere que a espécie possa ser mais comum em áreas de várzea do que na terra firme.

Aliados na preservação

Presente nas florestas tropicais da América do Sul, o jabuti-amarelo, também conhecido como jabuti-tinga, tem no Brasil seu principal lar e se distribui pela mata atlântica e pela Amazônia. Na primeira, está ameaçada pelo desmatamento. Na segunda, pela grande exploração para consumo e comércio, inclusive como alimento e animal de estimação. Essas condições fizeram com que a espécie fosse classificada como vulnerável à extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) e incluída na lista da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Selvagens (acordo Cites).

O estudo do Instituto Mamirauá tem como objetivo final colaborar para orientar ações de preservação da espécie. Antes da pesquisa, “não tínhamos a maior parte das informações necessárias para qualquer tomada de decisão em relação à conservação”, afirma Morcatty, categórica. Algumas das informações perseguidas pelo estudo são o tipo de alimento consumido pelos jabutis-amarelos, seus hábitos reprodutivos e estado de saúde, incluindo a investigação de possíveis doenças ou contaminações ambientais que possam prejudicar os animais – até agora, nenhuma ameaça foi identificada.

Avaliação do estado de saúde dos jabutis
Pesquisadoras fazem avaliação do estado de saúde dos animais capturados. (foto: Amanda Lelis)

Segundo a especialista, é fundamental, além de estudar as características e a ecologia do jabuti-amarelo, compreender a relação das populações locais com a espécie e tornar os ribeirinhos aliados nos esforços de conservação. Uma possibilidade explorada diretamente pela pesquisadora foi a inclusão de representantes das comunidades locais na coleta de dados. “O principal entrave para o estudo desta espécie é a dificuldade em capturar os jabutis em vida livre”, conta. “Portanto, a primeira parte do estudo foi desenvolver uma metodologia de captura eficiente e, nessa fase, a participação comunitária foi fundamental”. Veio dos ribeirinhos a técnica usada para coletar os animais estudados – uma armadilha que atrai o jabuti com uma isca e o engana, fazendo com que caia num buraco e fique aprisionado. A ideia reflete uma prática antiga da região, usada originalmente para caçar jabutis na floresta.

A população local também contribui com informações sobre o comportamento, a alimentação e a reprodução da espécie – o conhecimento acumulado após gerações de convivência com os jabutis. Além disso, são os moradores da região que acompanham os trabalhos de campo, como guias e auxiliares na coleta de amostras biológicas. “A população se interessa bastante pela pesquisa e está interessada em desenvolver e exercer estratégias para a conservação desta espécie”, afirma Morcatty.

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Catarina Chagas
Instituto Ciência Hoje/ RJ