Terapia celular pioneira

 

Pesquisadores brasileiros acabam de realizar um feito inédito rumo ao uso de terapias celulares para tratar doenças pulmonares. Um grupo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) realizou com sucesso o primeiro transplante de células-tronco em um paciente com silicose, doença sem cura nem tratamento que causa insuficiência pulmonar e afeta cerca de 6 milhões de pessoas no Brasil.

A silicose é causada pela inalação do pó de sílica, um dos óxidos mais abundantes da crosta terrestre e que ocorre na forma de areia, pedra e quartzo, entre outras. As vítimas são na maior parte trabalhadores da construção civil, mas a doença afeta também empregados da mineração, do garimpo e de indústrias de transformação de minerais, metalúrgica, química, de borracha, de cerâmica e de vidro.

Ao ser inalada, a sílica vai para o pulmão, onde os macrófagos (células que englobam e digerem elementos estranhos ao corpo) tentam digeri-las sem sucesso e acabam destruídos. Esse processo causa inflamação e cicatrizes no pulmão, que, em um período de 20 a 30 anos, evoluem para insuficiência pulmonar grave e até a morte.

Paciente n.º 1
A equipe da UFRJ, coordenada pelo biofísico Marcelo Morales, do Instituto de Biofísica, iniciou na quinta-feira, dia 20 de agosto, a primeira fase de testes clínicos da terapia celular para a doença. O primeiro paciente recebeu um implante de células-tronco retiradas de sua própria medula óssea e injetadas diretamente no pulmão por meio de broncoscopia (em que um aparelho é introduzido no sistema respiratório pela boca do paciente).

“É o primeiro procedimento desse tipo no mundo e podemos considerá-lo um sucesso”, destaca o biofísico. As células-tronco implantadas foram marcadas com tecnécio, um elemento químico radioativo, o que permitiu aos cientistas verificar que elas permaneceram nos pulmões do paciente após o transplante.

Segundo Morales, todo o processo – da retirada das células-tronco ao seu implante no pulmão – foi realizado em um único dia no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ. “O paciente passa bem e no mesmo dia já estava comendo e falando”, conta o pesquisador, que recebeu a boa notícia durante a 24ª Reunião Anual da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), realizada na semana passada em Águas de Lindoia (SP).

Morales ressalta que o Brasil é pioneiro no tratamento com células-tronco, mas passa hoje por uma nova fase de pesquisa. “Estamos voltados para entender os mecanismos de ação dessas células, de forma a podermos intervir e melhorar o seu uso.”

Novas etapas
Nas próximas semanas, a equipe vai repetir o procedimento – que envolve a injeção de 30 a 700 milhões de células-tronco – em outros nove pacientes com silicose. Os voluntários serão acompanhados por um ano para avaliar a segurança do método. Em uma próxima fase, 50 pacientes receberão o transplante para que seu estado clínico seja avaliado. “Mas só depois da terceira fase, em que acompanharemos mil pacientes de vários estados, poderemos verificar a eficácia da terapia em humanos”, diz Morales.

“Se tudo der certo e se continuarmos recebendo verbas, acredito que daqui a quatro ou cinco anos a terapia chegue à população”, prevê o pesquisador. Ele ressalta que o início dos testes só foi possível graças ao apoio financeiro da Faperj e do Ministério da Saúde.

O grupo espera que a terapia celular em humanos repita o desempenho obtido em testes in vivo. Experimentos feitos em ratos e camundongos durante cinco anos pararam a progressão da doença. “A silicose não tem cura nem tratamento, mas será possível impedir a evolução da doença e melhorar a qualidade e a expectativa de vida do paciente”, aposta Morales. E completa: “Esse estudo abre uma nova perspectiva para o tratamento de doenças respiratórias no Brasil, como a asma e a síndrome do desconforto respiratório agudo.”

Thaís Fernandes (*)
Ciência Hoje On-line
24/08/2009

(*) A jornalista viajou para Águas de Lindoia a convite da Fesbe.