Terra sofreu choque térmico brusco há 600 milhões de anos

 

 

Terra sofreu choque térmico brusco há 600 milhões de anos Se às vezes a mudança brusca de temperatura faz você se confundir com o guarda-roupa, saiba que um dia já foi bem pior. Quem garante são cinco pesquisadores brasileiros. Eles acharam rochas que sugerem que, há cerca de 600 milhões de anos, a Terra passou do frio extremo ao calor escaldante em menos tempo do que se supunha.

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As rochas acima indicam uma rápida transição entre um período glacial e outro de clima quente. As rochas da parte inferior se formaram durante uma glaciação, e as do alto, sob clima quente (foto: Thomas Fairchild)

 

O estudo foi publicado em junho na revista Geology pelos professores Afonso Nogueira, Alcides Sial e Cândido Moura, das universidades federais do Amazonas, Pernambuco e Pará, respectivamente, além de Thomas Fairchild e Cláudio

Riccomini, ambos da Universidade de São Paulo (USP).

Duas características das rochas encontradas em Mirassol d’Oeste (Mato Grosso) chamaram a atenção dos cientistas. Primeiramente, elas são lamosas com cascalho, sobrepostas por calcário. Como seus sedimentos se originam de transporte por geleiras e o calcário só se forma em altas temperaturas, elas provam que o planeta atravessa ciclos de frio e calor — as épocas glaciais — ao longo dos anos.

A maior novidade, porém, é o modo ‘inacabado’ como esses sedimentos se encontram. “A pedra mostra que a lama contendo o cascalho, depositada no fim da época glacial, não teve tempo para se consolidar antes que o aquecimento rápido do planeta provocasse a precipitação do calcário”, diz Fairchild. Isso indica um menor intervalo entre os ciclos quentes e frios.

Para se determinar em quanto tempo essa mudança teria ocorrido, é preciso aguardar a conclusão da segunda etapa do estudo, que envolve o especialista em paleomagnetismo Ricardo Trindade, da USP. Nesse estágio, os geólogos pretendem confirmar a latitude em que a rocha se encontrava na época e determinar a velocidade do processo.

É bom que se diga: rápido, em geologia, pode significar milhões de anos. Na sucessão das glaciações, a Terra se comporta ora como um forno, ora como um congelador, cujos ‘termostatos’ são o gás carbônico e os raios solares.

Na época em questão, acredita-se que o gelo começou a se formar nos pólos porque muito da radiação solar era refletida pela superfície dos continentes, que estavam próximos ao Equador. O resultado foi o resfriamento progressivo do planeta e a expansão das calotas de gelo polares, que também refletiam essa radiação e logo transformaram a Terra em uma imensa bola de neve . Uma bola eterna, não fossem os vulcões.

Eles se formam a partir do interior quente da Terra e lançam gases na atmosfera de forma ininterrupta. Um deles, o CO 2 , contribui para reter calor por meio do efeito estufa. Na ‘Terra bola-de-neve’, sua concentração aumentava de forma praticamente contínua — pois quase não era consumido por fotossíntese ou intemperismo –, até que o planeta esquentasse o bastante para derreter o gelo e se reiniciar o calor.

Hoje, o cenário parece mais estável, mas é bom não se animar. Segundo Fairchild, ciclos de congelamento e superaquecimento continuarão. “Vivemos agora uma ‘trégua glacial’, dentro da época de gelo mais recente, antes que o planeta volte a esfriar, provavelmente dentro dos próximos 10.000 a 20.000 anos.”

Será que vai haver alguém aqui para contar a história?

 

Aprofundada na década de 1990 pelos pesquisadores Paul Hoffman e Daniel Schrag, a chamada teoria ‘Terra bola-de-neve’ afirma que a transição entre as glaciações do período Neoproterozóico (de 1000 a 543 milhões de anos atrás) foi mais abrupta do que se supunha. Ela se baseia na hipótese de que, durante esse período, os continentes encontravam-se todos juntos e próximos à linha do Equador, onde refletiam muito da radiação solar que atualmente é absorvida pelas águas do mar.

Os pesquisadores afirmam que o planeta ficou coberto de gelo, uma situação aparentemente irreversível que só pôde ser modificada por causa da ação dos vulcões, que, mesmo cobertos, mantinham-se em atividade tanto em zonas sem gelo nos trópicos como debaixo da capa de gelo que cobria boa parte do resto do globo.

A teoria tradicional considera que a formação do gelo inicia-se na região dos pólos por causa de modificações periódicas na geometria da órbita e no ângulo do eixo de rotação da Terra que, por sua vez, alteram a distribuição do calor recebido pelo planeta provocando o acúmulo de gelo. No entanto, desde a glaciação há 600 milhões de anos, evidenciada em Mato Grosso, este processo nunca mais chegou a cobrir a Terra como uma bola de neve. 

Intemperismo

Intemperismo é o termo que os geólogos usam para se referir aos processos físicos, químicos e biológicos de decomposição das rochas. Já a fotossíntese é o processo pelo qual plantas e outros seres vivos obtêm energia a partir da transformação de dióxido de carbono (CO 2 ) e água, tendo a luz do Sol como fonte de energia. E foi justamente esse processo que impediu que a vida não se extinguisse na época glacial. A sorte é que algas e bactérias que rondavam os vulcões, sobretudo em regiões equatorianas ainda não cobertas de gelo, aproveitaram o CO 2para a sua fotossíntese.

Rafael Barros
Ciência Hoje On-line
19/08/03