Toxoplasmose é mais perigosa no Brasil

A toxoplasmose tem conseqüências mais sérias no Brasil do que na Europa, segundo uma pesquisa que comparou a evolução da doença em 331 crianças de sete países. As brasileiras apresentaram um risco cinco vezes maior do que as européias de desenvolver lesões oculares decorrentes dessa doença. No Brasil, a toxoplasmose é a principal causa de cegueira.

Os autores do estudo – pesquisadores brasileiros e europeus – avaliaram crianças com toxoplasmose congênita, ou seja, transmitida pela mãe durante a gravidez. O estudo acompanhou 30 crianças brasileiras, das cidades de Campos dos Goytacazes (RJ) e Porto Alegre (RS), e 281 de seis países europeus: Suécia, Dinamarca, Polônia, França, Itália e Áustria. Dois terços das crianças brasileiras desenvolveram lesões oculares até os 4 anos de idade, enquanto apenas uma entre cada seis européias apresentou o mesmo quadro.

O protozoário Toxolasma gondii é o agente causador da toxoplasmose. Uma vez dentro das células, ele forma cistos resistentes às defesas do organismo. Se formados na retina, esses cistos podem causar a cegueira (foto: DPDx Parasite Image Library).

Os pesquisadores acreditam que a explicação para a discrepância dos resultados encontrados nos diferentes países esteja no agente causador da doença – o Toxoplasma gondii. As linhagens desse protozoário existentes no Brasil são mais agressivas que as européias, conforme mostraram estudos anteriores.

“Essas linhagens se multiplicam mais rapidamente, têm maior capacidade de atravessar as barreiras epiteliais e penetrar nos tecidos do hospedeiro e têm características que prejudicam a resposta imunológica do organismo”, explica a pediatra Eleonor Lago, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), uma das autoras do estudo, publicado em agosto na revista PLoS Neglected Tropical Diseases.

Os pesquisadores esperam que os resultados mudem a forma como essa doença é combatida no Brasil. “A toxoplasmose está na lista das doenças negligenciadas. No Brasil, não há um programa para a forma congênita da doença no Sistema Único de Saúde (SUS)”, critica a bióloga Lilian Maria Bahia-Oliveira, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), também autora da pesquisa. “É preocupante o fato de não existir uma política pública que faça com que os médicos dediquem mais atenção a essa doença.”

Lago ressalta que o tratamento contra a toxoplasmose é caro, o que agrava as condições da doença no país. “Esperamos que os resultados da pesquisa motivem as autoridades a organizar um programa de distribuição de medicamentos que inclua a toxoplasmose congênita, semelhante ao que já existe para os filhos de mulheres com HIV”, defende.

Tratamento precoce evita seqüelas
O contágio com o Toxoplasma gondii pode ocorrer na forma de cistos, pela ingestão de carnes mal cozidas, ou na de oocistos, por contato com terra e gatos de rua ou pela ingestão de hortaliças cruas e água não tratada ou contaminada por fezes de felinos. A toxoplasmose não é transmitida no contato com uma pessoa contaminada, exceto por transmissão durante a gravidez.

Uma vez dentro de uma célula, os protozoários se multiplicam, abandonam essa célula e invadem outras. As células abandonadas morrem, pois o parasita retira delas várias substâncias para sua sobrevivência. Na fase crônica da doença, os protozoários passam a ficar em uma determinada célula, onde se multiplicam e formam um cisto tecidual, que é resistente às defesas do organismo e aos medicamentos utilizados no tratamento. Esses cistos formam-se preferencialmente em determinados tecidos, como cérebro, retina e músculos. Por isso, a toxoplasmose pode causar desde doenças oculares e cegueira até hidrocefalia e problemas neurológicos e motores.

Os medicamentos controlam a infecção, mas não erradicam totalmente o Toxoplasma gondii, que permanece em estado latente no organismo. A doença é mais perigosa para pacientes com problemas no sistema imunológico e portadores da forma congênita, em que o tratamento iniciado precocemente pode diminuir e até evitar seqüelas.

“O recém-nascido costuma ser assintomático, já que as lesões oculares do fundo do olho não aparecem inicialmente ao exame físico”, explica Lago. “Por isso, é necessário identificar os pacientes infectados durante o pré-natal ou logo após o nascimento, antes que as lesões se manifestem, quando já pode ter ocorrido um dano irreversível.”

Tatiane Leal
Ciência Hoje On-line
22/09/2008