Transparência em que medida?

O que a princípio parecia uma pergunta fácil de responder se mostrou um vespeiro durante o debate ‘Transparência é positivo para a ciência?’, organizado pela revista Index on Censorship, especializada em assuntos relacionados à liberdade de expressão, que aconteceu na semana passada, no Imperial College London, Reino Unido.

Os participantes abordaram questões como o acesso gratuito aos resultados de pesquisas financiadas com dinheiro público, os riscos à privacidade de pacientes com a divulgação de informações relativas a testes clínicos, a importância estratégica de dados brutos reunidos por cientistas, entre outras.

Apesar do consenso inicial de que transparência e troca de informações são positivas para o desenvolvimento da ciência e para a sociedade de maneira geral, a discussão se tornou acalorada na hora de definir a extensão e o modo como isso deve ser feito.

“Transparência parece uma boa ideia, mas é preciso perguntar por que disponibilizar certos dados, especialmente dados brutos gerados em uma pesquisa”, ponderou a Baronesa Onora O’Neill, professora de filosofia da Universidade de Cambridge e membro da Câmara dos Lordes do Reino Unido. “Qual a melhor maneira de divulgar esses dados? Isso depende de quem vai utilizá-los e com quais objetivos”, completou.

Sua opinião gerou uma resposta enérgica de George Monbiot, colunista do jornal The Guardian. “Não cabe aos autores da pesquisa decidir”, defendeu. “Na verdade, quem tem autoridade para julgar isso? A informação deve ser disponibilizada em todos os formatos possíveis. Deixe que o público decida o que é útil ou não.”

Debate sobre transparência na ciência
Mark Walport, em destaque, cercado por David Colquhoun, Jo Glanville – editora de ‘Index on Censorship’ –, George Monbiot e Baronesa Onora O’Neill. ‘Achei que Lady O’Neill fosse me bater’, comentou Monbiot no Twitter depois do debate. (foto: Index on Censorship)

Em meio às discordâncias, um exemplo prático. A Unidade de Pesquisa Climática da Universidade de East Anglia em Norwich, Reino Unido, nega-se a disponibilizar os dados brutos referentes a medições de temperatura em 4 mil estações meteorológicas durante 160 anos. Os pesquisadores da instituição argumentam que sem os cálculos necessários é impossível tirar informações úteis da massa de dados gerada.

Eles alegam ainda que esses dados têm valor estratégico e financeiro, podendo ser usados por outras organizações para gerar lucro. Depois de anos de discussão, a universidade foi obrigada a liberar o acesso a seu banco de dados em junho deste ano. 

Mark Walport, diretor da Wellcome Trust, organização de caridade britânica que financia pesquisa em biomedicina, considera a decisão problemática. “Dados brutos são como esgoto não tratado, podem causar danos”, observou. “Uma tabela com temperaturas não significa nada sem a formatação adequada.”

Walport: “Dados brutos são como esgoto não tratado, podem causar danos”

Outro exemplo prático da questão foi discutido em edição recente da revista Index on Censorship sobre o tema. A empresa de tabaco Philip Morris teria tentado, a princípio anonimamente, colocar as mãos nos dados brutos de pesquisadores escoceses que entrevistaram milhares de fumantes adolescentes sobre o marketing de tabaco.

No artigo, argumenta-se que as informações coletadas – de grande valor para a empresa – são fruto de uma pesquisa cara e que dificilmente ela teria condições de fazer por conta própria, dadas as questões éticas envolvidas.

Sem saída fácil

Não são apenas as pesquisas financiadas com dinheiro público que devem ser disponibilizadas para a sociedade, observaram os participantes do debate. “Em alguns casos, a pesquisa privada pode ser de interesse público, como no de testes clínicos conduzidos pela indústria farmacêutica ou no de desenvolvimento de equipamentos de segurança de aviões”, observou Sir Mark Walport, diretor da Wellcome Trust.

Pelas leis do Reino Unido, todos os testes clínicos envolvendo humanos devem ser registrados em um banco de dados aberto à consulta pública. Por outro lado, elas não obrigam a publicação de seus resultados, observou David Colquhoun, do Departamento de Farmacologia da University College London (UCL).

Muitas vezes as empresas escolhem quais resultados divulgar, de acordo com seus interesses. Para Colquhoun, essa falta de transparência impede que médicos e pacientes possam tomar decisões realmente bem informadas.

O’Neill: “Dados médicos podem melhorar o tratamento de saúde para todos, mas quem garante que eles não serão usados de forma antiética?”

Observando a questão por outro ângulo, o diretor da Wellcome Trust comentou que a disponibilização de dados médicos referentes à população do Reino Unido poderia também ajudar a indústria farmacêutica a desenvolver remédios e tratamentos melhores. “E por que dar acesso apenas à indústria farmacêutica? Por que não torná-los abertos a todos?” questionou David Colquhoun.

“Dados médicos podem melhorar o tratamento de saúde para todos, mas quem garante que eles não serão usados de forma antiética? Ainda que os dados sejam disponibilizados anonimamente, qual o nível de anonimato seguro?”, observou a baronesa O’Neill, explicando que, em alguns casos, é possível cruzar as informações disponibilizadas sobre um paciente e chegar à sua identidade.

Como beneficiar uns sem prejudicar outros? Qual o nível ideal de transparência? Em que circunstâncias? Essas são algumas das questões que ficaram sem resposta ao fim do debate.

Assista ao vídeo, em inglês, do debate

Barbara Axt
Especial para a CH On-line/ Londres