Três propostas para as próximas décadas

Entender a estrutura e manutenção dos ecossistemas tropicais. Avaliar o impacto humano sobre esses ecossistemas. Estudar as forças sociais de mudança e as respostas sociais à conservação. Essas são as três prioridades de pesquisa para os próximos 25 anos definidas pela Associação de Biologia Tropical e Conservação (ATBC, na sigla em inglês). A discussão dessas prioridades foi um dos destaques da reunião anual da entidade que, pela primeira vez, realizou-se no Hemisfério Sul – mais precisamente, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
 
O encontro, realizado entre 24 e 28 de julho na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), foi marcado também pelo debate de questões ambientais da ordem do dia. Ao final do evento, foi divulgada a Declaração de Uberlândia , um manifesto contra o desmatamento na Amazônia ( clique aqui para baixar o documento). Em entrevista à CH On-line , Kleber Del Claro, coordenador geral do evento e do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFU, faz um balanço dos principais resultados do encontro.
 

Kleber Del Claro, coordenador geral da reunião anual da ATBC e do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFU

Que balanço o senhor faz das atividades realizadas durante a reunião anual da ATBC?

O resultado final foi positivo, muito além das expectativas iniciais. Recebemos 937 pessoas de 27 países, as conferências foram todas de alto nível, com a exposição de novas idéias e teorias. A grande maioria das contribuições orais e simpósios foi também de ótimo nível. Os painéis foram todos muito bem feitos, apresentando dados de mais de 437 projetos, teses e dissertações ainda não publicadas.
 
Qual é, para a comunidade científica brasileira, a importância de sediar um evento dessa natureza?
Foi de uma importância enorme para todos os países em desenvolvimento termos sediado esse evento e termos mostrado que temos grande capacidade de organização, além de conteúdo científico para mostrar. Estabeleceram-se durante o encontro muitas relações de trabalho que vingarão em convênios internacionais que beneficiarão toda a comunidade científica nacional. A partir desse evento, a UFU, Minas Gerais e o Brasil estão decididamente no mapa como um dos principais centros do estudo da ecologia e biologia tropical em nosso planeta.
 

Quais foram, na sua opinião, as principais contribuições científicas apresentadas durante o evento?
 A conferência de John Thompson na qual se discutiu o papel da co-evolução em macro e micro escala e a importância dos mosaicos geográficos nos processos evolutivos foi, talvez, o ponto mais alto do evento. Thompson lançou aqui seu novo livro, The Geographic Mosaic of Coevolution [Chicago University Press, 2005], com idéias revolucionárias sobre o que pensamos sobre tempo evolutivo e processos ecológicos. Foi como ver Darwin falando novamente.
 
Que outras contribuições o senhor destacaria?
Peter Price, professor da Universidade de Flgastaff (Arizona, EUA) e autor do livro Insect Ecology , fez uma palestra incrível sobre os padrões de herbivoria nos trópicos, que se somou à palestra de Robert Marquis (Universidade do Missouri, EUA) sobre a importância de se estudar o comportamento animal para se compreender melhor a ecologia e as interações ecológicas. O estudo de nosso aluno Everton Tizo-Pedroso sobre matrifagia (comer a mãe) em artrópodes como uma estratégia para a evolução da socialidade causou grande impacto entre os cientistas presentes.
 
A Declaração de Uberlândia aponta recomendações para o governo e a comunidade internacional em favor da conservação da Amazônia. E à comunidade científica, que papel cabe nesse esforço?
A maioria dos cientistas presentes na discussão da carta era formada por pessoas que trabalham na floresta amazônica, não apenas no Brasil, mas em países vizinhos também. A maioria deles tem dedicado sua vida ao estudo das florestas e à sua preservação. Batalham pela implementação de reservas, muitas vezes conseguem comparar áreas e dedicá-las à preservação, atuam junto aos governos dos paises amazônicos e também junto ao Banco Mundial, buscando financiamento para pesquisas. Aliás, o representante de ecologia e meio ambiente do Banco Mundial esteve presente ao evento.
 
Divulgou-se recentemente uma queda da ordem de 95% no desmatamento da Amazônia entre junho de 2004 e junho de 2005, segundo medições de satélite. Como esse dado foi recebido entre os biólogos e ecólogos? Como interpretar essa queda e garantir que ela se mantenha nos próximos anos?
Com cautela, temos recebido denúncias de novas formas de desmatamento que visam enganar os satélites. Corta-se o sub-bosque, fazem-se cortes nos anéis condutores de seiva das grandes árvores e elas vão secando lentamente. Depois, provoca-se o incêndio e, mais tarde, solicita-se a remoção da madeira “perdida”. São denúncias que estão sendo investigadas.
 

Folha de rosto do documento Beyond Paradise , que define prioridades de pesquisa em biologia tropical para os próximos 25 anos. Clique na imagem para baixá-lo (arquivo PDF, 2,8 MB)

O documento Beyond Paradise afirma que “muita da informação necessária para conservar, restaurar e manejar os ecossistemas continua desconhecida”. Que esforços teriam que ser feitos no Brasil para que possamos chegar a esse conhecimento?

Há cerca de treze anos, o CNPq lançou um edital específico para grandes projetos em ecologia. Penso que já seria hora de termos outros editais nessa linha. Devemos incentivar os grupos emergentes a obter o mais rapidamente possível as informações necessárias, a maioria delas vinculadas à biodiversidade interativa, ou seja, não apenas listas de espécies, mas como as espécies estão integradas e o quanto representam da sustentabilidade das cadeias tróficas nos ecossistemas mais ameaçados do Brasil. Nesse sentido, cabe ressaltar que nosso ecossistema mais ameaçado é o cerrado, ao lado da mata atlântica, da mata de araucárias no Sul e de dos campos rupestres. No cerrado, a fronteira agrícola e a urbanização estão pondo abaixo um enorme patrimônio genético, com incomparável possibilidade de uso farmacológico-medicinal, já reconhecida.
 
Em que medida essas prioridades devem definir os rumos da pesquisa em biologia da conservação no Brasil?
Como disse acima, linhas de pesquisa que privilegiem o cerrado são fundamentais. Essas linhas devem incorporar inclusive estudos limnológicos, pois no cerrado ficam as nascentes ou contribuintes diretos de uma grande quantidade de rios muito importantes para nosso país, como o São Francisco, o Grande e o Paraná, além de muitos afluentes de rios amazônicos. Perder o cerrado é perder o coração do Brasil. Por que então não retomarmos os programas Centro-oeste de pesquisa e pós-graduação? O último foi coordenado pela UFU e resultou no desenvolvimento de três novos programas de mestrado e doutorado – na própria UFU e nas universidades federais de Mato Grosso do Sul (UFMS) e de Goiás (UFG) –, além de inúmeros estudos publicados e mais de 100 teses e dissertações nos últimos cinco anos.
 
Podemos esperar que essas prioridades sejam cumpridas? Na sua opinião, que balanço será feito por biólogos e ecólogos na reunião anual da ATBC de 2030?
É difícil dizer. Se em 2030 ainda tivermos grandes áreas naturais preservadas nos trópicos já será uma enorme vitória para toda a humanidade. Será uma grande conquista se isso puder ser feito de modo sustentável, ou seja, atendendo as comunidades, em geral pobres e miseráveis, que cercam os grandes ecossistemas, sem que elas tenham que fazer uso desses sistemas para sua própria sobrevivência. Sem dúvida alguma há meios para isso – só precisamos é de vontade política e de um basta à corrupção e à ganância, que são os maiores amigos da miséria e da devastação natural.

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
08/08/05