Um clássico aos trinta

 

Uma referência do pensamento político e social brasileiro faz aniversário. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro, de Roberto Schwarz, completa em 2007 trinta anos de publicação. A homenagem a esse livro que influenciou direta e indiretamente várias gerações de pensadores foi um dos eventos que marcaram o 31º encontro da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), realizado na semana passada, em Caxambu (MG).

Ao vencedor as batatas faz referência em seu título a uma conhecida frase do romance Quincas Borba, de Machado de Assis (1839-1908). Ao comentar seu livro, Schwarz lembrou que, à época em que foi lançado, em 1977, Machado de Assis era considerado o menos brasileiro dos escritores brasileiros. “Resolvi apostar em uma opinião contrária”, contou o ensaísta, que escreveu a obra durante seu exílio na França, como tese de doutorado (Universidade de Paris III), causando uma reviravolta na crítica machadiana.

Schwarz partiu da premissa de que a ironia do autor de Memórias póstumas de Brás Cubas era muito brasileira: “Se, por um lado, sua obra é cheia de citações clássicas e tem um tom empertigado, de outro lado, Machado refletia as relações sociais do país no século 19, que discrepavam do modo europeu”.

A mesa-redonda em homenagem ao ensaísta contou com a participação de Heloisa Starling, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), André Pereira Botelho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Sergio Miceli, da Universidade de São Paulo (USP). Miceli observou que “As idéias fora do lugar”, o célebre ensaio de abertura de Ao vencedor as batatas, causou tanta polêmica na época do lançamento, que acabou ofuscando os dois outros ensaios que compõem a obra – a seu ver, mais rigorosos do ponto de vista crítico.

Modernidade arcaica
No primeiro ensaio, Schwarz, que foi professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) de 1978 a 1992, mostrava como, por meio da ironia, Machado põe o dedo no arcaísmo de nossa modernidade, apontando a combinação grotesca de normas prestigiosas da modernidade com relações sociais de base que discrepam muito delas. Ou seja, ele evidencia como as relações de produção vigentes, baseadas na escravidão, não tinham mais lugar nem justificativa possível no quadro das ideologias do liberalismo europeu dominantes na época.

No segundo ensaio, o autor aborda a obra de José de Alencar, a partir de uma análise do romance Senhora. E no texto que fecha o volume, volta a Machado de Assis e seus primeiros romances (A mão e a luva, Helena e Iaiá Garcia) para refletir sobre a prática do favor (o clientelismo e o apadrinhamento) na sociedade brasileira.

“Com mil formas e nomes, o favor atravessou e afetou no conjunto a existência nacional, ressalvada sempre a relação produtiva de base, esta assegurada pela força”, escreve Schwarz. “Esteve presente por toda parte, combinando-se às mais variadas atividades, mais e menos afins dele, como administração, política, indústria, comércio, vida urbana, Corte etc. Mesmo profissões liberais, como a medicina, ou qualificações operárias, como a tipografia, que, na acepção européia, não deviam nada a ninguém, entre nós eram governadas por ele. E assim como o profissional dependia do favor para o exercício de sua profissão, o pequeno proprietário depende dele para a segurança de sua propriedade, e o funcionário para o seu posto”.

Situando o livro no contexto em que foi criado, o ensaísta relacionou-o às obras de Fernando Henrique Cardoso, Maria Sylvia Carvalho Franco e Antonio Candido, que ergueram um “arco desprovincializador” nas ciências sociais da época. Em 1990, Schwarz voltaria à análise de Machado de Assis em Um mestre na periferia do capitalismo, outro clássico da crítica nacional. 

Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro  
Roberto Schwarz
São Paulo, 2000, Editora 34 
Tel.: (11) 3816-6777
240 páginas – R$ 36,00

Sheila Kaplan
Especial para a CH On-line
29/10/2007