Um componente bacteriano para a obesidade

 

O general toscano , tela pintada no século 17 pelo italiano Alessandro del Borro.

Uma surpreendente peça acaba de ser acrescentada ao quebra-cabeça das causas da obesidade. Uma equipe da Universidade de Washington (EUA) mostrou que a composição da flora intestinal é diferente em indivíduos magros e obesos: em camundongos e humanos acima do peso, predominam bactérias capazes de extrair energia dos alimentos ingeridos de forma mais eficaz.

A descoberta chama a atenção para um novo aspecto na discussão desse problema global de saúde pública. Os resultados do estudo liderado por Jeffrey Gordon, relatados em dois artigos na Nature desta semana, abrem as portas para uma possível nova frente de combate à obesidade.

O intestino humano é habitado por trilhões de bactérias benéficas, que quebram moléculas dos alimentos que não poderiam ser digeridas de outra forma. Dois grupos respondem por mais de 90% da flora intestinal: as firmicutes – o mais abundante filo bacteriano, com mais de 250 gêneros – e as bacteroidetes, que incluem a Bacteroides thetaiotaomicron , uma das espécies mais comuns da flora intestinal humana.

A equipe de Gordon constatou que, em camundongos obesos, a proporção relativa de firmicutes é até 50% maior em comparação com animais magros, que têm mais bacteroidetes em sua flora intestinal. Os cientistas mostraram também, com a ajuda de um experimento engenhoso, que as bactérias do intestino dos roedores obesos são mais eficazes na extração de energia dos alimentos. Ao “transplantar” a flora intestinal dos animais obesos para camundongos sem bactérias no intestino, estes tiveram rápido ganho de peso, sem qualquer alteração em sua dieta.

Essa observação foi confirmada por um estudo bioquímico da flora intestinal dos camundongos obesos: foram identificados nessas bactérias genes que comandam a síntese de proteínas capazes de quebrar polissacarídeos que não são digeríveis de outra forma. Assim, esses microrganismos fazem com que seu hospedeiro retire dos alimentos calorias que não são aproveitadas por outros animais.

Flora intestinal humana

(arte: Laura Kyro, Zhen He, Largus Angenent e Jeffrey Gordon).

A constatação do grupo parece ser válida também para seres humanos, como mostrou outro experimento, que acompanhou 12 indivíduos obesos submetidos a dietas de restrição calórica. Os pesquisadores constataram que eles tinham maior abundância de firmicutes em sua flora intestinal, e que essa proporção diminuiu à medida que os participantes iam perdendo peso.

A descoberta de um componente bacteriano da obesidade abre portas para uma nova frente de ataque a essa epidemia global. “A manipulação das comunidades microbianas do intestino poderia oferecer uma nova abordagem no tratamento da obesidade”, afirmam, cautelosos, os autores em um dos artigos.
Mas há muito caminho a percorrer ainda até que isso seja possível. É preciso entender em detalhes os mecanismos bioquímicos por trás da correlação entre obesidade e composição da flora bacteriana. De qualquer forma, o estudo foi bem recebido pelos colegas. “Esta é uma idéia potencialmente revolucionária, que poderia mudar nossa visão sobre a causa da obesidade e sobre como dependemos das bactérias que habitam nosso intestino”, afirmaram, em comentário ao trabalho publicado na mesma edição da Nature , Matej Bajzer e Randy Seeley, da Universidade de Cincinnati (EUA).

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
20/12/2006