Embora comemorada pela comunidade de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT), a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na última terça-feira (25/10) de autorizar o primeiro casamento civil entre pessoas do mesmo sexo no Brasil avança muito pouco na luta pelo reconhecimento dos direitos do grupo no país.
A avaliação é de pesquisadores que discutiram o tema em fórum realizado na noite de quarta-feira (26/10) no 35º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), que acontece até o fim desta semana em Caxambu (MG).
Para a advogada Rosa Oliveira, da Universidade Federal de Santa Catarina, tanto a decisão do STJ que autorizou o casamento civil entre duas mulheres no Rio Grande do Sul, quanto o reconhecimento, em maio passado, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da união homoafetiva, não indicam necessariamente uma postura liberal por parte do Judiciário. “A análise dos dois casos foi apenas do ponto de vista constitucional.”
O sociólogo Luiz Mello, da Universidade Federal de Goiás, lembrou que nos últimos anos houve inúmeros avanços no sentido de reconhecer os direitos da comunidade LGBT no Brasil, como a inclusão das minorias sexuais no Programa Nacional de Direitos Humanos 3 e a realização da 1ª Conferência Nacional LGBT.
Mas, se por um lado o governo estabelece ações de promoção desses direitos, por outro não há qualquer recurso previsto para a execução desses planos. “Nosso país tem as políticas mais avançadas do mundo nesse sentido”, afirmou. “Mas ainda temos que ver gays apanharem na avenida Paulista, em São Paulo, e a proibição de se distribuir um kit anti-homofobia em escolas públicas do país.”
Para Mello, um dos maiores entraves para o fim do estigma e o reconhecimento da cidadania plena da comunidade LGBT está na oposição dos setores religiosos da sociedade ao processo. “Eles estão por todo lado, até aqui”, disse, referindo-se à comunidade de cientistas sociais.
Criminalização da homofobia
No mesmo fórum, o antropólogo Sérgio Carrara, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tratou do projeto de lei 122/2006, atualmente em tramitação no Senado e que prevê a criminalização da homofobia. Para ele, os opositores do projeto enfraquecem o debate ao condenar o texto alegando que ele restringe a liberdade de expressão. “Nessa linha de pensamento, o mesmo argumento poderia valer, por exemplo, para o crime de racismo, mas esse passo eles não ousam dar.”
A antropóloga Regina Facchini, da Universidade Estadual de Campinas, acredita que parte da dificuldade que o movimento LGBT tem para conquistar seus direitos está na própria forma de agir. “Na internet, por exemplo, as listas de discussão, que são o principal veículo de informação da comunidade LGBT, estão restritas à própria comunidade, que acaba isolada do restante da sociedade”, argumentou.
A discussão sobre direitos LGBT é apenas uma entre centenas de outras nas áreas da antropologia, sociologia e ciência política que ocorrem desde a última segunda-feira (24/10) no encontro da Anpocs. Nesta edição, o evento reúne cerca de 1.800 participantes de universidades e centros de pesquisa de todas as regiões do país.
Célio Yano*
Ciência Hoje On-line / PR
* O jornalista viajou a Caxambu (MG) a convite da Anpocs