Um exemplo de neurônio

Até hoje, o estudo dos mecanismos moleculares envolvidos na esquizofrenia, que afeta 1% da população mundial, era limitado à análise do tecido nervoso de pacientes esquizofrênicos falecidos e testes de ressonância magnética. Mas uma pesquisa desenvolvida por cientistas brasileiros acaba de mudar esse cenário, abrindo as portas para uma melhor compreensão desse distúrbio mental.

Os pesquisadores do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (Lance) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenado pelo biólogo e colunista da CH On-line Stevens Rehen, conseguiram transformar células da pele de um paciente com esquizofrenia em células do sistema nervoso e identificar características dessa doença que não estão presentes em células sadias.

“Levamos a célula da pele a se transformar em um neurônio, mas as análises foram feitas com progenitoras neurais, que são uma espécie de estágio anterior aos neurônios”, explica a bióloga Renata de Moraes Maciel, pós-doutora do Lance e uma das duas principais autoras do artigo, que já foi aceito para publicação na revista científica Cell Transplantation.

Oxigênio demais

A equipe do Lance constatou que essas progenitoras neurais consumiam o dobro de oxigênio do que células sadias. Como consequência, elas também apresentavam grande volume de espécies ativas de oxigênio, capazes de danificar os constituintes celulares.

A abundância de espécies ativas de oxigênio observada nas células reprogramadas também ocorre nos neurônios de pacientes esquizofrênicos

“Essa abundância de espécies ativas também ocorre nos neurônios dos pacientes esquizofrênicos e quando usamos ácido valproico, um estabilizador de humor, ela retorna a níveis normais”, conta a biomédica Bruna da Silveira Paulsen, doutoranda do Lance e a outra autora principal do artigo.

Ela acrescenta que o excesso de oxigênio e espécies ativas não está presente nos fibroblastos, as células da pele usadas originalmente, nem nas células-tronco pluripotentes, o estágio anterior às progenitoras neurais.

“Isso mostra que conseguimos duplicar a etapa inicial da patologia. Criamos um modelo que pode agora ser usado para testar novas drogas e adaptar o tratamento para cada paciente, já que essas células têm o perfil do doador do fibroblasto”, completa a biomédica.

Rumo à medicina personalizada

No estudo, a equipe do Lance usou a técnica de reprogramação celular criada em 2007 pela equipe do pesquisador japonês Shynia Yamanaka. Ela permite, com o uso de um vírus contendo genes específicos, que uma célula já diferenciada para funcionar como um determinado tecido – como a pele – volte a um estado inicial de desenvolvimento no qual ela tem o potencial de se transformar em qualquer outro tipo celular.

Ou seja, ela vira uma célula-tronco pluripotente (iPS, na sigla em inglês), similar a uma célula-tronco embrionária. “Outros grupos já usam essa técnica, inclusive com neurônios, mas nenhum havia observado ainda a questão das espécies ativas de oxigênio”, observa Maciel.

Os pesquisadores querem estudar outras possíveis diferenças entre células sadias e as afetadas pela esquizofrenia e avançar na linha da medicina personalizada

A equipe agora pretende aprofundar mais o estudo investigando vários aspectos da descoberta. Os pesquisadores querem reprogramar fibroblastos de mais nove pacientes, estudar outras possíveis diferenças entre células sadias e as afetadas pela esquizofrenia e avançar na linha da medicina personalizada.

“Queremos ainda entender a razão do excesso de espécies ativas de oxigênio: se é uma superatividade das proteínas que as produzem ou uma falha dos mecanismos que existem para corrigir esse fenômeno”, esclarece Paulsen.

Fred Furtado
Ciência Hoje/ RJ