Um grito de socorro

 

As áreas em amarelo e marrom no mapa indicam as regiões com ocupação humana, que incluem áreas desmatadas, assentamentos de reforma agrária e as zonas urbanas. Imagem: Barreto et al., em preparação (clique no mapa para ampliá-lo)

Pesquisadores da ONG Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) indicam que 47% da floresta sofrem algum tipo de ocupação humana. Soma-se a isso outro dado alarmante: da área de 1,44 milhão de km 2 que o governo federal identificou com potencial para criação de florestas públicas para uso sustentável, 26% (cerca de 378 mil km 2 ) já apresentam sinais de atividade humana.

Dos 53% que sobram, cerca de 2% são corpos d’água e aproximadamente 51% correspondem a matas sem sinais de ocupação. “A maioria está coberta por vegetação nativa, mas parte provavelmente inclui ocupação humana leve, não detectável por satélites”, esclarece o engenheiro florestal Paulo Barreto, um dos autores do estudo.

Os resultados foram retirados de um levantamento ainda não publicado divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo . A pesquisa analisou durante um ano a dimensão das pressões humanas sobre a floresta amazônica, que ocupa uma área de 4,1 milhões de km 2 . “A intenção não era só fazer um mero acompanhamento da área total devastada, mas identificar áreas que estão sendo ocupadas e prevenir danos ambientais”, afirma Barreto.

Além dos dados governamentais sobre o desmatamento (11% da Amazônia foi desflorestada), foram consideradas informações sobre estradas clandestinas para extração de minerais e madeira, pecuária, assentamentos para a reforma agrária e, sobretudo, focos de calor na floresta detectados por satélite ‐ prováveis indicadores de incêndios florestais e desmatamentos pequenos não mapeados pelo governo. Os pesquisadores concluíram que, do total da extensão da floresta, 19% estão ocupados de forma consolidada e 28% sofrem o que eles chamaram de “pressão potencial humana”: essa categoria inclui as áreas licenciadas para pesquisa mineral, reservas de extração e áreas ao redor dos pontos de calor.

Barreto frisa que os pontos de calor são os indícios mais fáceis para detectar o início da ocupação. “No mínimo 72% dos focos de calor estavam ligados a algum tipo de via de acesso para extração de minerais e madeira, como estradas clandestinas, rodovias oficiais ou rios”, destaca.

Há indícios de que a exploração de madeira é uma das principais atividades de ocupação das florestas, pois os madeireiros abrem extensas estradas clandestinas em terras devolutas. Barreto aponta ainda um outro fator que relaciona fogo e atividades madeireiras: 50% das áreas aprovadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 580 projetos de manejo florestal coincidem com áreas em volta de queimadas. Os planos de manejo liberam áreas do bioma para a exploração sustentável de madeira, porém em muitos casos os planos não são executados.

Sobre o espaço destinado à preservação, o estudo mostra que uma área intacta ainda resiste: cerca de 1 milhão de km 2 das zonas prioritárias ainda podem ser conservadas. No entanto, é preciso agir rápido: 73% dessa área se localizam em zonas acessíveis à exploração, próximas as vias de transporte já existentes ou onde é viável economicamente abrir novas estradas madeireiras. “É preciso acelerar imediatamente a criação de unidades de conservação para prevenir a ocupação desordenada de áreas com interesse para conservação da biodiversidade”, defende o engenheiro florestal.

“Temos que concentrar os esforços dos próximos anos em estratégias preventivas para evitar danos e barrar as pressões de ocupação em áreas sensíveis”, diz Barreto. “Não adianta só chorar e sofrer pelas áreas já desmatadas.” O próximo passo da equipe é mapear as estradas nas regiões ainda não estudadas e continuar o monitoramento da ocupação em toda a Amazônia.

Renata Moehlecke
Ciência Hoje/RJ
27/12/04