Um manifesto pelo desmatamento evitado

Desmatamento na Amazônia: a derrubada de florestas responde por cerca de 75% das emissões brasileiras de gases do efeito-estufa (foto: acervo LBA).

Um combate efetivo ao aquecimento global deveria incluir políticas que estimulem os países que abrigam florestas tropicais a mantê-las de pé. Esta é a mensagem de um artigo assinado por 11 cientistas de seis países, publicado na Science desta semana. Segundo eles, reduzir o desmatamento – que responde por 20% das emissões globais de gases do efeito-estufa – é a forma mais barata de se diminuir as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono (CO 2 ).

Segundo os autores, o desmatamento lançou na atmosfera 5,5 bilhões de toneladas de CO 2 ao longo dos anos 1990. Até o ano 2100, a derrubada das florestas tropicais pode contribuir com mais 320 a 475 bilhões suplementares de toneladas de gás carbônico, em função de previsões mais ou menos pessimistas. Esse volume equivale ao total de emissões causadas pela queima de combustíveis fósseis durante toda uma década.

Se as taxas de desmatamento diminuírem 50% até 2050 e se mantiverem assim até 2100, 185 bilhões de toneladas de CO 2 deixarão de ser lançadas na atmosfera – o que corresponde a seis anos de queima de combustíveis fósseis. Nenhuma outra forma de mitigação do aquecimento global seria tão barata quanto esta: estima-se que, para cada tonelada de CO 2 que deixar de ser lançada na atmosfera, seriam gastos no máximo 20 dólares.

O recado é claro: é preciso arregaçar as mangas e manter as florestas de pé. Mas isso é só parte da tarefa: “É possível reduzir de forma significativa as emissões provocadas pelo desmatamento nos países em desenvolvimento, mas o esforço tem que ser global”, lembra o climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos autores do artigo. “É essencial que haja também reduções enormes nas emissões dos países desenvolvidos.”

O caso do Brasil
Combater o desmatamento para mitigar o aquecimento global é especialmente importante para o Brasil, um país no qual 75% das emissões de gases do efeito estufa são motivadas pela derrubada das matas. O artigo da Science aplaude a iniciativa de alguns países que têm se esforçado para diminuir de forma significativa o desmatamento. Embora nenhuma nação seja citada nominalmente, o Brasil pode se sentir incluído no elogio, por ter reduzido pela metade os níveis de desmatamento ao longo dos dois últimos anos.

Mas não há motivo para muita comemoração: os índices registrados em 2006 – 14 mil km 2 derrubados na Amazônia – são ainda muito altos, e é fundamental que políticas efetivas sejam tomadas para diminuir ainda mais esse número. “É desejável, mas difícil que o Brasil mantenha a redução do desmatamento”, avalia Carlos Nobre. “Isso depende de uma ação enérgica do governo para garantir o cumprimento efetivo da legislação ambiental durante muitos anos. A ação do Estado é fundamental até que se mude o paradigma de desenvolvimento da Amazônia.”

Desmatamento evitado
O artigo publicado na Science defende a adoção de um mecanismo que compense os países que abrigam florestas por mantê-las de pé. Incentivos pelo desmatamento evitado não foram adotados num primeiro momento pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto, mas a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas estuda algumas propostas para a implantação desse tipo de estímulo.

Os autores reconhecem, no entanto, que a adoção efetiva desse mecanismo depende de vários pré-requisitos. Entre eles, o artigo cita o reforço da capacidade técnica e institucional de muitos países, o consenso sobre um sistema para monitorar as reduções das emissões e a adoção de mecanismos que garantam que o desmatamento evitado não tenha como contrapartida um aumento de emissões por queima de combustíveis fósseis por parte dos países industrializados.

“Os dados apresentados nesse artigo já eram conhecidos pelos pesquisadores, mas sua publicação na seção da Science em que se debatem políticas públicas deve dar força e visibilidade à discussão”, avalia Carlos Nobre. “Estou otimista de que, nos próximos dois anos, será criado um mecanismo – ainda não se sabe qual – que dê valor econômico à redução de emissões pelo desmatamento.”
 

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
11/05/2007