Um novo olhar sobre o passado

Uma recente descoberta feita por geneticistas promete apontar novas direções para a investigação do passado humano. Por meio do sequenciamento do DNA presente em um fragmento de osso de 40 mil anos encontrado na Sibéria, pesquisadores identificaram um tipo até então desconhecido de hominídeo que descende do mesmo antepassado que neandertais e homens modernos. Essa foi a primeira vez em que um hominídeo foi descrito a partir do DNA e não pela morfologia de ossos fossilizados.

A equipe concluiu que o novo hominídeo teria surgido há aproximadamente um milhão de anos

No estudo, a equipe formada por cientistas da Alemanha, Estados Unidos, Áustria e Rússia concluiu que o novo hominídeo teria surgido há aproximadamente um milhão de anos, quando houve uma ramificação na linhagem ancestral. A outra espécie originada desta divisão só se diversificou após, aproximadamente, 550 mil anos, quando surgiram os homens de Neanderthal e o Homo sapiens.

O achado sugere que esses hominídeos foram da África rumo à Eurásia em uma migração distinta daquela feita pelos ancestrais dos homens modernos e neandertais. Na Eurásia, representantes destas três linhagens distintas podem ter vivido juntos durante um longo período. Os resultados da pesquisa foram publicados esta semana na revista Nature.

Solo e clima da Sibéria permitiram conservação do DNA

O pedaço de osso que forneceu material genético para a pesquisa foi descoberto em 2008, em um campo de escavação na caverna Denisova, localizada nas montanhas Altai, sul da Sibéria. O local pode ter sido ocupado pela primeira vez há mais de 125 mil anos. O fragmento, na verdade, é parte de um dedo e foi encontrado em uma camada datada de 48 a 30 mil anos atrás.

Um novo olhar
Vista das montanhas Altai, no sul da Sibéria, Rússia (Foto: Johannes Krause).

 

Para realizar o estudo, a equipe internacional isolou fragmentos de DNA mitocondrial (mtDNA), presente nas mitocôndrias, organelas responsáveis pela respiração celular. Usando métodos sofisticados, uma sequência completa de mtDNA  foi reunida. Segundo os pesquisadores, a conservação do DNA no fóssil por tanto tempo ocorre devido às condições da temperatura e do solo nas regiões de altas latitudes, potencialmente melhores para a preservação de material genético do que aquelas encontradas em áreas tropicais e equatoriais.

A utilização do mtDNA na pesquisa deve-se à facilidade de extração desse material de fósseis. Em cada célula, há cerca de oito mil cópias de mtDNA, contra apenas uma do DNA nuclear.

“O genoma nuclear nos dará um relato completo de como esse novo indivíduo estava relacionado aos neandertais e aos homens modernos”, conta Svante Pääbo, diretor do Departamento de Genética do Instituto Max-Planck de Antropologia Evolutiva (Alemanha) e um dos autores do estudo.

“O genoma nuclear dará um relato completo de como esse novo indivíduo estava relacionado aos neandertais e aos homens modernos”

Na análise, os pesquisadores compararam o material genético do hominídeo de Denisova com amostras de mtDNA de homens modernos, Neandertais, um bonobo e um chimpanzé. A conclusão foi de que as diferenças entre o indivíduo recém-descoberto e o homem moderno são quase o dobro daquelas observadas entre o homem moderno e o Neanderthal.

Desta forma, os cientistas acreditam que o ancestral comum mais recente entre essas três espécies data de aproximadamente um milhão de anos, duas vezes mais do que o último ancestral comum entre homens modernos e neanderthais.

A divergência de tempo na linhagem dos hominídeos de Denisova indica que eles seguiram do continente africano em direção à Europa e Ásia numa migração diferente da realizada pelo Homo erectus, há 1,9 milhão de anos, e pelo Homo heidelbergensis, provável ancestral dos neandertais.

Pesquisas futuras analisarão DNA nuclear

De acordo com os cientistas, sequências de DNA nuclear são necessárias para esclarecer a relação entre indivíduos modernos, de Denisova e de Neanderthal. Isso porque o mtDNA é apenas uma parte do genoma, que pode inclusive ser trocada por diferentes espécies em casos de reprodução cruzada, como já foi comprovado em roedores Mus musculus e Mus domesticus.

Para Johannes Krause, outro autor também do Instituto Max-Planck, a análise do DNA nuclear permitirá um olhar mais profundo sobre nossa própria história. “Nós poderemos identificar que posições foram alteradas no genoma humano moderno que nos diferenciam do hominídeo de Denisova”, explica o geneticista alemão. “Assim, poderemos encontrar alterações no nosso genoma que verdadeiramente definem os homens modernos como uma população, o que, além de ser extremamente interessante, nos diria mais sobre o que faz seres humanos serem humanos”, completa.

 

Camilla Muniz
Ciência Hoje On-line