Um pouco mais de paciência

Paciência. Esta é a palavra de ordem do Nobel de Física sino-americano Samuel Ting, líder do multimilionário experimento AMS, da Estação Espacial Internacional, que busca sinais da matéria escura. O cientista esteve esta semana no Brasil, na 33ª Conferência Internacional de Raios Cósmicos (ICRC), no Rio Janeiro, para anunciar novos dados de sua procura pela misteriosa matéria. Contrariando as expectativas mais otimistas, Ting não trouxe respostas definitivas nem anunciou uma descoberta bombástica, mas não deixou de reforçar a eficiência de seu experimento.

Com custo de dois bilhões de dólares, o AMS coleta e mede a energia de raios cósmicos, mais especificamente de algumas partículas. Entre elas estão os pósitrons, que, de acordo com as teorias científicas atuais, seriam produzidos em grande quantidade pela colisão de partículas de matéria escura. Lembrando: a matéria escura foi conjecturada para explicar os 25% do universo que não emitem nenhuma forma de luz e só podem ser percebidos indiretamente, pela ação da gravidade que exerce sobre os corpos celestes. 

O AMS já identificou e analisou mais de 400 milhões de pósitrons em diferentes níveis de energia. Em abril, Ting anunciou que o instrumento havia detectado um excesso dessas partículas em energias de cerca de 130 gigaelétrons-volts (GeV) (Leia mais na seção ‘Mundo de ciência’ da CH 302, disponível para assinantes do Acervo Digital). 

Samuel Ting
O laureado com o Nobel Samuel Ting acredita na capacidade do AMS para detectar indícios de matéria escura e pede paciência para novos resultados. (foto: Nasa)

A enorme quantidade de pósitrons detectados poderia ser um indício de matéria escura, mas também havia a possibilidade de ter tido origem em pulsares, estrelas que emitem fluxos constantes de energia.

As próximas medições podem determinar se o excesso de partículas observado é sinal de matéria escura ou não

Como as partículas não pareciam vir de um ponto específico do espaço, mas de todas as direções, o anúncio foi recebido com excitação. Na ocasião, o Nobel disse que teria uma reposta em poucas semanas. 

Três meses depois, Ting ainda não tem reposta. Na conferência no Rio, o cientista apresentou suas mais recentes medições, que confirmam a falta de direção específica dos pósitrons e mostram que o excesso dessas partículas se estabiliza em energias mais altas, a partir de 250 GeV. 

As próximas medições, de níveis ainda mais energéticos, podem determinar se o excesso de partículas é sinal de matéria escura ou não. “Se a queda de pósitrons se der suavemente, pode ser explicada por um pulsar. Já se a queda for abrupta, pode ser indício da matéria escura”, explica Ting.

Cabra-cega cósmico

Segundo o cientista, ele e sua equipe devem concluir as medições de níveis mais energéticos, até 600 GeV, e possivelmente solucionar a questão até a próxima ICRC, daqui a dois anos. 

Isso não significa, porém, que até lá teremos uma resposta sobre a matéria escura. Pode ser que ela apareça apenas em faixas de energias ainda mais altas, o que a tornaria mais difícil ou até impossível de encontrar com o AMS. 

Ting: “Pode ser que nunca encontremos um sinal efetivo de matéria escura.  Mas o ponto é: se você não procura, nunca vai saber”

Conforme o instrumento é configurado para detectar pósitrons em energias superiores, ele enxerga cada vez menos partículas. Operando em energias acima de 1 TeV (mil Gevs), ele poderia levar até 300 anos para identificar alguma partícula, o que tornaria a experiência inviável e passaria do tempo previsto de 20 anos para o funcionamento do AMS.

“Pode ser que nunca encontremos um sinal efetivo de matéria escura, pois 1 TeV é nosso limite”, confirma Ting. “Mas o ponto é: se você não procura, nunca vai saber.”

O astrofísico Ulisses Barres, do Instituto Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), é otimista. Ele explica que a expectativa é grande porque muitas teorias preveem que a matéria escura aparece nessas faixas mais energéticas.

Matéria escura
A material escura nunca foi observada diretamente. Sua existência é postulada devido à ação de sua força gravitacional sobre corpos celestes, como as galáxias da imagem. A foto mostra um grupo de galáxias sofrendo a ação da matéria invisível ao seu redor. (foto: Nasa/ Hubble)

Apesar da possibilidade, Ting não quer criar expectativas e aposta na cautela. “Temos que ter paciência”, diz. “Não temos pressa, não temos competição nem quem cheque nossos dados. Por isso sempre falo para meus colaboradores fazerem tudo bem devagar, com muita calma, para ser bem feito.”

Seja como for, Ting fez questão de garantir, do seu jeito diplomático, que se a matéria escura estiver nas faixas de energias operadas pelo AMS, ele vai ter a capacidade de detectá-la. O equipamento tem uma margem de erro de apenas 1%. Essa precisão se mostra na comparação dos dados do AMS com o de outros detectores usados na busca. 

Em sua palestra, o Nobel apresentou sete medidas de diferentes parâmetros feitas com o AMS que destoam muito das mesmas medições feitas por outros experimentos, como o Pamela. “Eu não diria que os outros estão errados, mas meus dados estão corretos”, diz em cima do muro. “Levamos 20 anos para construir esse experimento e posso dizer que ele é o mais preciso que existe.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line