Uma incursão às cadeias do Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro continua indo: segundo o último Censo Penitenciário Nacional, de 1997, 53% dos presos da cidade respondiam por tráfico de entorpecentes, contra uma média nacional de 14%. As estatísticas suscitam questões: Que política se deve adotar em relação ao crescente domínio do tráfico sobre a cidade dita maravilhosa? Como abolir a desigualdade social que joga os jovens pobres nessa atividade? É certo criminalizar o uso e comércio de drogas?

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Perguntas como essas norteiam os estudos do cientista social Antônio Rafael Barbosa, morador do Rio. Em seu mestrado, ele analisou a dinâmica do tráfico de drogas na cidade. Agora prepara, em doutorado pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um panorama dos valores e comportamentos da vida prisional no Rio em 2001 e 2002.

O pesquisador parte da consideração de que as cadeias não terminam em seus limites físicos: elas são pontos em imensas redes, como a do tráfico de drogas, principal motivo de entrada nas prisões. “Isso nos leva a perguntar se essa atividade não seria um potente mecanismo de controle da população pobre”, diz Rafael. Mas as imensas redes em que se inserem as prisões não se limitam ao tráfico. “Não podemos esquecer as redes de sociabilidade que ligam as comunidades pobres às prisões — são parentes, amigos, advogados, pastores, professores, agentes externos que alimentam a esperança de soltura que advém dos presos.”

Rafael ressalta que o tráfico de drogas é hoje o maior empregador da juventude que mora nas favelas do Rio. Por ser um comércio, ele necessita formar freguesia e fixar-se em um local. Essa territorialização mantém a ’mão-de-obra’ do mercado das drogas dentro de ’guetos’ controlados pelas organizações do tráfico — conhecidas como ’Comandos’. “Eles dominam três espaços públicos: as favelas, os cemitérios e as cadeias”, diz Rafael.

null Mas sua atividade nem sempre esteve atrelada ao tráfico de drogas. Os Comandos surgiram nas prisões, como tentativa de organizar esse espaço. “O precursor foi o Comando Vermelho, que lutava pela garantia de direitos específicos dos presos, como o fim das torturas e espancamentos e o direito à visita íntima”, conta Rafael. “Ao mesmo tempo, buscava reprimir o crime entre os próprios detentos.”

Os Comandos usavam o pertencimento local de cada um para estabelecer redes de alianças entre favelas e comunidades pobres. Com elas era possível ajudar amigos presos — ao fazer uma ’caixinha’ e mandar recursos para dentro da prisão — ou os que passavam dificuldades nas ruas. “A droga entra posteriormente[1] como potencializador desse processo, já que a atividade principal dos fundadores do CV era o assalto a bancos”, revela Rafael.

Mas será possível acabar com esse mercado? “Enquanto existir demanda vai haver comércio. A criatividade nesse ramo é enorme: sempre se descobre uma maneira de passar a droga”, responde Rafael. “É bobagem pensar que combater o tráfico irá diminuir ou cessar a demanda. Se desejamos outro futuro, a pergunta é: o que fazer para mudar esse quadro? Essa resposta não deve ser dada por especialistas: deve ser resultado de ampla discussão.”

A dissertação de mestrado de Rafael sobre a dinâmica
do tráfico de drogas no Rio foi adaptada no livro abaixo:

Um abraço para todos os amigos – algumas considerações
sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro
Antônio Rafael Barbosa
Niterói, 1998, EDUFF
178 páginas – R$ 16

Elisa Martins
Ciência Hoje On-line
17/03/03