Representação artística de um neandertal (imagem: American Museum of Natural History).
Nosso conhecimento sobre os hominídeos mais próximos do Homo sapiens – os neandertais, extintos há cerca de 30 mil anos – é inferido a partir de fósseis e artefatos deixados por eles. Mas isso está prestes a mudar: com a determinação de seqüências de DNA do núcleo de células dessa espécie, dois grupos de pesquisadores inauguram esta semana um novo capítulo no estudo dos homens de Neandertal, que deve levar ao seqüenciamento do genoma dessa espécie.
O feito é fruto de uma cooperação entre duas equipes – cada uma trabalhou com uma abordagem diferente de seqüenciamento. De um lado, o grupo do geneticista sueco Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha. Do outro, os cientistas coordenados por Edward Rubin, do Joint Genome Institute, nos Estados Unidos. Os resultados vieram a público conjuntamente esta semana nas revistas Nature , que divulgou o artigo de Pääbo e colaboradores, e Science , na qual foi veiculado o relato da equipe de Rubin.
As seqüências de DNA foram recuperadas de ossos de um Homo neanderthalensis que viveu há 38 mil anos na Croácia – mais de 70 amostras de fósseis foram descartadas, por não estarem bem preservadas ou por terem sofrido contaminação pelo DNA humano ou de outras espécies.
Os estudos provam que é possível determinar longas seqüências do DNA nuclear de um hominídeo extinto: a equipe de Pääbo analisou 1 milhão de pares de bases genéticas; o grupo de Rubin identificou cerca de 65 mil. No passado, já havia sido possível reconstituir trechos de DNA mitocondrial dos neandertais (contido em uma organela no citoplasma da célula). Esta é a primeira vez que se recupera o DNA abrigado nos cromossomos – a mais importante parcela do material genético.
Máquina do tempo
Crânio de neandertal descoberto na França em 1909 (foto: The Smithsonian Institution).
Este 2006, em que se comemoram os 150 anos da descoberta dos primeiros fósseis de neandertais, deve entrar para a história como a “aurora da genômica dos neandertais”, como promete Edward Rubin. “Vamos mudar a forma como é feita a antropologia”, disse ele em entrevista coletiva à imprensa mundial nesta terça. “As seqüências que determinamos vão servir como uma máquina do tempo de DNA que mostrará aspectos dos neandertais que nunca poderíamos conhecer pelo estudo dos fósseis.”
Mais do que isso, reconstituir seqüências genéticas do neandertal – com quem compartilhamos mais de 99,5% de nosso genoma – deve ajudar a entender as mudanças genéticas sofridas pelo Homo sapiens nos últimos milhares de anos, que podem estar por trás de algumas especificidades da espécie humana.
Mas nem só de promessas vive a genômica dos neandertais. Os estudos publicados esta semana já permitem confirmar hipóteses anteriores sobre essa espécie. A comparação das seqüências de DNA com o genoma do Homo sapiens e com o do chimpanzé permitiu determinar a época em que humanos modernos e neandertais dividiram o último ancestral comum: a análise da equipe de Svante Pääbo indica que isso ocorreu há cerca de 516 mil anos.
As análises ajudam também a entender a relação dos neandertais com os humanos modernos. Ambas as espécies viveram juntas na Europa e no oeste da Ásia durante alguns milhares de anos – o H. sapiens deixou a África entre 40 e 50 mil anos atrás, e os neandertais só se extinguiram cerca de 30 mil anos atrás. Há controvérsia entre os cientistas em relação ao tipo de interação que se estabeleceu entre as duas espécies. A análise feita pelas duas equipes sugere que os neandertais não tiveram contribuições para o genoma humano, ou seja, não teria havido miscigenação entre as duas espécies.
Novidades certamente virão pela frente, à medida que mais seqüências do DNA dos neandertais forem identificadas. A equipe de Pääbo já está envolvida em um projeto que pretende obter, até a metade de 2008, um primeiro rascunho do genoma do H. neanderthalensis . “É uma meta ambiciosa, mas esperamos chegar lá”, garante o sueco. A tecnologia para tanto já está disponível – mas ele alerta que a técnica dificilmente poderia ser aplicada a outras espécies de hominídeos. “Seria muito difícil determinar seqüências de DNA de fósseis mais antigos”, acredita. “Pode até ser possível no futuro, mas sou cético em relação a isso.”
Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
15/11/2006