Urbanização de favelas: uma solução possível

A urbanização de favelas é uma solução possível, como mostrou uma intervenção feita no Rio de Janeiro por um grupo de arquitetos nos anos 60. Esse episódio foi resgatado na dissertação de mestrado da arquiteta Stella Pugliesi, defendida em junho na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). No estudo, Stella conta a história das favelas do Rio e defende a urbanização.

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A favela Brás de Pina (RJ), antes e após urbanização feita pela Codesco e
o grupo Quadra de arquitetura, com o apoio de moradores (fotos: Quadra)

As favelas começaram a surgir no fim do século 18, com a demolição maciça de cortiços para eliminar focos de epidemias e liberar áreas valorizadas da cidade ocupadas por essas habitações. A solução encontrada pelos moradores — escravos libertos, migrantes rurais e imigrantes europeus — foi construir barracos nos morros da cidade.

“A partir da década de 1920, a expansão das favelas tornou-se incontrolável e ocupou morros próximos aos bairros habitados pela elite”, diz Stella. “Começou a tomar forma a estrutura vista em poucas cidades do mundo: a combinação de enorme distância social e grande proximidade física.” Em 1937 foi criado pela prefeitura um código que previa a erradicação das favelas e alocação dos moradores em “habitações proletárias”. Mas a construção de casas populares foi insuficiente: a população favelada à época era de 250 mil pessoas; apenas 8 mil foram transferidas.

Entre 1947 e 1960, duas tentativas de urbanização das favelas partiram de grupos ligados à Igreja Católica. Ambas implantaram melhorias em serviços básicos e foram apoiadas por um órgão oficial — o primeiro a tratar de urbanização de favelas. No entanto, esse órgão perdeu espaço com a troca de governo.

A partir de 1962, durante o governo Carlos Lacerda, a política em relação a favelas voltou a ser a de remoção. Foram construídos novos conjuntos habitacionais, geralmente em áreas muito distantes dos locais de trabalho, o que aumentava os gastos com transporte, além do custo extra com as prestações da casa. Uma favela, a de Brás de Pina, resistiu à força às tentativas de remoção, o que chamou a atenção de um grupo de arquitetos recém-formados, a Quadra, que passou a apoiar os moradores na urbanização do local.

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Na urbanização da favela Brás de Pina, desenhos de moradores foram
levados ao grupo Quadra para que fossem transformados em projetos

Em 1966, Negrão de Lima assumiu o governo estadual com novas idéias em relação às favelas. Foi criada em 1968 a Companhia de Desenvolvimento de Comunidade (Codesco) que, ao lado da Quadra, realizou em Brás de Pina um projeto inovador, pautado nos desejos dos moradores e com sua participação efetiva. As intervenções na área aproveitaram investimentos já feitos pelos moradores, como aterros e passarelas. Foram implantados serviços de infra-estrutura e construídas casas de alvenaria, segundo projetos dos próprios moradores, que obtiveram ainda a posse das terras.

Atualmente, Brás de Pina está integrada ao bairro de mesmo nome. “O trabalho conjunto da Quadra e da Codesco terminou ao fim do mandato de Negrão de Lima, em 1970, mas foi muito importante por legitimar a urbanização in loco como solução possível”, diz Stella. “Buscou-se uma alternativa mais democrática que desencadeou políticas posteriores na mesma linha que persistem até hoje.”

Adriana de Melo
Ciência Hoje On-line
17/10/02