Vai uma mãozinha aí, doutor?

 

       

Imagine a seguinte situação: diante do computador, o cirurgião abre um programa, que mostra um corpo humano em duas dimensões. Do lado esquerdo da tela, o modelo está de perfil. No outro canto, o dorso e a coluna aparecem em visão de raios-X. Após observar com atenção, o médico seleciona um ponto, traça uma linha com o mouse e clica. Pronto: ele acaba de autorizar a operação de um paciente. Simples, não?

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Um braço mecânico originalmente usado na indústria automobilística (à direita) foi programado por um software para realizar cirurgias

A cena é digna de roteiros de ficção científica, mas pode estar mais próxima de se tornar realidade. Tudo porque, em janeiro de 2001, um ortopedista, dois engenheiros e dois alunos do curso de engenharia mecatrônica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) se juntaram para fazer o primeiro robô-cirurgião brasileiro. A idéia era desenvolver um software que permitisse programar um braço mecânico para realizar cirurgias.

Após um ano e oito meses de pesquisas e testes, o protótipo do robô está pronto e foi apresentado em junho à comunidade científica, na IX Congresso Brasileiro de Coluna, no Ceará. O modelo foi projetado inicialmente para pequenas operações, como a vertebroplastia — aplicação de cimento ósseo na coluna em casos de osteoporose ou tumores.

Segundo o ortopedista Afrane Serdeira, um dos idealizadores do projeto, a vantagem do robô é seu software, que permite intervenções cem vezes mais precisas do que a mão humana. Além disso, o braço mecânico não faz grandes incisões no paciente, o que pode reduzir seu tempo de recuperação em até um mês.

Testes de mais, verbas de menos. Sem dinheiro da iniciativa privada e apenas com a aparelhagem da própria universidade, a criação dos pesquisadores ainda está em fase experimental. Mesmo assim, somente em manequins sintéticos. “Além da questão financeira, a utilização de um robô como esse em pacientes depende do estabelecimento de normas pelo Ministério da Saúde”, afirma Serdeira. “Não nos interessa correr agora, pois o objetivo principal é o de testar e aprimorar a invenção.” De qualquer modo, a técnica tem tudo para ser uma mão na roda para os médicos se levada adiante.

Aliás, mão na roda, na porta, no capô e no porta-malas. Originalmente, o robô é um protótipo israelense chamado MK3 e utilizado na indústria automobilística para realizar tarefas milimétricas como soldar portas ou colocar parafusos em pequenos orifícios. Com tanta ‘experiência’ em trabalhos meticulosos, nada mais fácil para o robô do que fazer cirurgias precisas. “O mais difícil é programar o software e adaptar garras de acordo com a operação, pois, mecanicamente, o MK3 está apto a realizar qualquer função”, explica Alexandre Baroni, engenheiro co-responsável pelo projeto.

O desafio agora passa a ser a adaptação do modelo para cirurgias mais complexas, como as neurológicas, cardíacas e de implantação de próteses. Um trabalho difícil, mas não impossível para quem já conseguiu resultados expressivos a partir de recursos limitados. Com precisão cirúrgica.

Rafael Barros
Ciência Hoje on-line
14/08/03