A conclusão do estudo de fósseis de tatu encontrados há mais de cinqüenta anos na bacia de São José do Itaboraí (RJ) promete trazer contribuições de valor para a paleontologia da América do Sul. Os fósseis foram descobertos em 1949 e voltaram a ser estudados em 1998 por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O material estava armazenado no Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), no Rio de Janeiro, e na Fundação Zoobotânica, em Porto Alegre (RS).
Possível aparência do tatu de Itaboraí. É presumível que o animal fosse semelhante ao tatu-bola contemporâneo. Arte: Marcelo Ledá.
A bacia de Itaboraí (RJ) é a única no estado do Rio de Janeiro onde podem ser encontrados fósseis de animais que viveram durante o período Paleoceno, há cerca de 60 milhões de anos. Nela estão os mais antigos registros brasileiros da fauna que surgiu após a extinção dos dinossauros. Além dos tatus, fósseis de répteis, aves e outros mamíferos também são abundantes na região.
Os tatus, ao lado das preguiças e tamanduás, fazem parte do único grupo de mamíferos de origem sul-americana ‐ a ordem Xenarthra. Esse é um dos três grupos de mamíferos do Paleoceno que têm espécies vivas até os dias de hoje. O animal estudado pelos pesquisadores tem tamanho próximo ao de um tatu-bola, uma das menores espécies de tatu, que geralmente tem cerca de 60 centímetros de comprimento, da ponta do focinho à extremidade da cauda.
As conclusões do estudo dos fósseis foram publicadas na edição do último trimestre de 2004 da revista Geodiversitas , vinculada ao Museu de História Natural de Paris. No artigo, os autores apresentam uma análise morfológica comparativa de vários ossos encontrados na bacia de Itaboraí, pertencentes a pelo menos duas espécies de mamíferos.
O estudo desses fósseis atesta a presença de duas diferentes espécies de tatu na região, ao invés de apenas uma, como se imaginava antes. Os pesquisadores também concluíram que essas espécies podem ter um ancestral em comum com os Paleodonta norte-americanos ‐ a sub-ordem à qual pertencem hipopótamos e porcos. A suspeita é fruto das semelhanças na morfologia entre seus ossos. “Os fosseis têm importantes contribuições a dar à história da disseminação dessas espécies pelo continente”, diz Lílian Bergqvist, pesquisadora da UFRJ e uma das responsáveis pelo estudo.
De 1928 a 1984 a bacia de Itaboraí foi explorada como uma mina de calcário pela companhia Mauá de cimento. Desde então a cratera de 70 metros de profundidade deixada pela mina foi sendo gradualmente ocupada pela água da chuva e hoje é um lago, responsável pelo abastecimento de água do município de Itaboraí. A criação do Parque Paleontológico de Itaboraí em 1995 foi seguida por uma série de tentativas de implementar um pólo turístico na região, que entrou em profunda decadência econômica desde o fim das atividades das companhias cimenteiras na região. Desde então Itaboraí tornou-se mais uma cidade-dormitório, entre as várias que se formaram ao redor do Rio de Janeiro.
Tiago Carvalho
Ciência Hoje On-line
30/12/04