Veneno de cobra pode gerar droga antitrombótica

 

       

Duas substâncias capazes de bloquear a formação de coágulos na corrente sangüínea foram descobertas no veneno da jararaca amazônica ( Bothrops atrox ), espécie responsável por mais de 90% dos acidentes ofídicos da Amazônia. As enzimas trombina-símile e fosfolipase A2 foram descritas pelo biólogo peruano radicado no Brasil Jorge Luis López-Lozano, do Instituto de Medicina Tropical de Manaus.

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Jararaca amazônica ( Bothrops atrox ) – foto: Marcio Martins

A descoberta é útil porque permite combater a formação indesejada de coágulos (trombos) na corrente sangüínea. Normalmente, os coágulos se formam a partir de uma lesão ou ruptura de um vaso sangüíneo. Induzidas pelo ADP (molécula rica em energia encontrada em todas as células), as plaquetas (células do sangue) acumulam-se rapidamente no local do ferimento e aderem à parede do vaso, de forma a estancar a hemorragia. No entanto, algumas doenças levam à coagulação do sangue sem que haja lesão de vasos. O coágulo viaja pelo sangue até chegar a um vaso de menor calibre e entope-o. Isso pode causar embolia, infarto do miocárdio e derrame cerebral.

Na coagulação, entra em ação uma cascata de enzimas presentes no sangue em sua forma inativa que, ao passarem para a forma ativa, provocam a formação do coágulo. Cada enzima é ativada pela enzima precedente e ativa a seguinte, até que, na última etapa dessa cadeia, uma proteína chamada fibrinogênio se converte em fibrina, o que permite a coagulação do sangue.

A primeira substância identificada por Lozano age justamente de forma a consumir o fibrinogênio. “A degradação do fibrinogênio pela trombina-símile forma coágulos fracos, cuja presença na corrente sangüínea ativa uma enzima que destrói os coágulos já formados”, explica o pesquisador. “A ação dessa enzima, associada à baixa concentração de fibrinogênio causada pela trombina-símile, forma um potente sistema inibidor da coagulação.”

Durante seu doutorado em Biologia Molecular, realizado na Universidade de Brasília (UnB), Lozano descreveu a estrutura molecular da trombina-símile. Experimentos feitos in vitro e com camundongos constataram a ação anticoagulante da substância. O próximo passo são os testes com macacos.

O pesquisador teme o aparecimento de efeitos colaterais da substância. “O uso contínuo da trombina-símile pode levar a hemorragia, devido à degradação constante de fibrinogênio”, diz. No entanto, estudos têm demonstrado que esse tratamento implicaria menor risco de hemorragia que outras drogas antitrombóticas. Usar a enzima continuamente também poderia levar o paciente a gerar anticorpos contra ela.

A outra enzima identificada por Lozano, a fosfolipase A2, inibe a agregação de plaquetas induzida pelo ADP. “O mecanismo molecular dessa reação ainda não está muito bem estabelecido, mas parece que a fosfolipase A2 compete pelos receptores para ADP nas plaquetas e impede a ligação”, explica. Lozano já patenteou o princípio ativo das duas enzimas e pretende continuar a estudá-las para que possam dar origem a medicamentos.

Adriana Melo
Ciência Hoje on-line
05/11/02