Vespas no combate a pragas e doenças

As vespas são bem conhecidas pela dor que sua picada provoca, mas a partir de agora poderão ser lembradas pelos benefícios que são capazes de gerar. Isso porque um consórcio internacional de pesquisa, que inclui brasileiros, sequenciou o genoma de três espécies de vespa do gênero Nasonia e descobriu que esses pequenos insetos, além de importante fonte de estudo genético, podem ser usados como armas contra pestes agrícolas e até doenças.

As vespas Nasonia matam outros insetos e suas pupas com seu ferrão venenoso e neles depositam seus ovos. As larvas que surgem desses ovos se alimentam do corpo do hospedeiro para crescer. Muitos dos insetos parasitados pelas vespas são considerados pragas para a agricultura ou disseminadores de doenças. Por isso, o sequenciamento genético promete ser um avanço no controle de pestes.

Larvas Nasonia
Mosca cortada ao meio para mostrar as larvas de ‘Nasonia’ em seu interior. As larvas se alimentam do corpo da mosca (foto: Michael Clark).

Os cientistas que realizaram o estudo, publicado na Science desta semana, acreditam que seja possível usar as vespas como uma espécie de pesticida natural. Essa estratégia, adotada em algumas plantações e criações de gado, já foi alvo de pesquisas no Brasil. O biólogo John Werren, pesquisador da Universidade de Rochester (EUA) e um dos autores principais do estudo da Science, sugere algo mais audacioso: que elas sejam domesticadas.

“Já domesticamos inúmeras espécies de plantas e animais, como o arroz, vacas e cães, e, se usarmos as informações genéticas desse estudo, a perspectiva é de que domesticaremos as vespas para controle de pragas em breve”, disse Werren em entrevista à Science. O pesquisador acrescenta que o uso das vespas é muito mais ecológico do que o de pesticidas, que muitas vezes matam outros organismos necessários ao meio ambiente e podem até envenenar os humanos.

Ataque direcionado

Com o genoma da Nasonia desvendado, será mais fácil domesticar a vespa. “A ideia é utilizar os animais adultos, que podem ser produzidos em larga escala em laboratório e liberados no local desejado”, afirma o biólogo brasileiro Alexandre Cristino, pesquisador da Universidade de Queensland (Austrália) e um dos autores do estudo. As vespas Nasonia têm uma predisposição genética para parasitar determinadas espécies de insetos – em geral moscas varejeiras –, mas Cristino acredita que em breve será possível direcioná-las para atacar uma praga agrícola específica.

“Selecionar ou criar linhagens mais eficientes no ataque a determinadas espécies é uma das possibilidades que a nossa pesquisa abre, mas ainda não há resultados suficientes para determinar os critérios de seleção para esses programas de melhoramento genético”, afirma o pesquisador.

Vespa Nasonia
Uma fêmea de ‘Nasonia’ ferroa e injeta veneno em uma pupa de mosca na qual está prestes a colocar seus ovos. A cria, que varia entre 20 e 40 vespas, sairá voando duas semanas depois (foto: Peter Koomen).

Outro brasileiro envolvido no estudo, o biólogo Deodoro Oliveira, da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha), conta que já há pesquisas em andamento para identificar os genes de Nasonia implicados na escolha do inseto que será atacado pelas vespas. “O conhecimento desses genes possibilitará que a vespa seja manipulada geneticamente e utilizada no controle de pragas específicas, como a mosca do berne que afeta o gado”, diz.

O estudo, que também contou com cientistas da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, Universidade Federal de Alfenas (MG) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, identificou ainda os genes responsáveis pela produção do veneno das vespas Nasonia, bem como das 75 proteínas que ele contém.

O veneno pode ser usado para desenvolver medicamentos, pois, diferentemente do produzido por outros insetos, como abelhas e formigas, o da Nasonia não tem como principal função a sua defesa e sim preparar o inseto hospedeiro para receber seus ovos. “A substância que essas vespas injetam muda a fisiologia e o comportamento do hospedeiro, gera variados efeitos, como a supressão do sistema imunológico e alterações no desenvolvimento”, afirma o biólogo Chris Desjardins, da Universidade de Rochester.

Novos ‘ratos de laboratório’

As vespas Nasonia se mostraram ótimas para o estudo genético, melhores do que as drosófilas ou moscas-das-frutas, mais usadas como modelo em pesquisas. A vantagem dessas vespas é que o macho carrega apenas os cromossomos (sequências de DNA) herdados da mãe, diferentemente dos humanos e das moscas. Segundo os cientistas, é mais fácil perceber mutações e interações entre genes em um animal com apenas uma cópia de material genético do que em um que possui uma segunda cópia.

Além disso, de todos os insetos com genoma sequenciado até hoje, as espécies do gênero Nasonia são as que têm DNA mais parecido com o dos humanos – 40% dos genes ativos.  “As Nasonia emergem agora como um modelo genético, verdadeiros ‘ratos de laboratório’ entre os insetos, especialmente para análise de características complexas, de desenvolvimento genético e evolutivo”, defende John Werren.

Estudar a evolução desses genomas pode ser útil para entender doenças humanas e os processos de envelhecimento e fertilidade

O genoma das vespas Nasonia também pode ser útil para compreender melhor o processo de evolução de espécies em curto tempo. Como a pesquisa sequenciou o DNA de três espécies muito semelhantes, os cientistas puderam observar as pequenas diferenças genéticas entre elas e assim perceber como se deu a diferenciação entre as espécies.

O estudo demonstrou que o DNA mitocondrial – aquele que fica dentro das células responsáveis pela respiração celular – das Nasonia evolui muito rapidamente, em velocidade mais acelerada do que o DNA do núcleo celular. Segundo os pesquisadores, estudar a evolução desses genomas pode ser útil para entender doenças humanas relacionadas às mitocôndrias, como a catarata, e os processos de envelhecimento e fertilidade.

 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line