
Algumas das espécies de algas recuperadas em Monte Verde foram provavelmente coletadas na grande baía rochosa localizada 15 km ao sul do sítio na época em que era povoado (fotos: Tom Dillehay).
Os primeiros povos a chegar às Américas teriam seguido uma rota pelo litoral rumo ao sul do continente. Isso é o que indica a descoberta de algas marinhas com mais de 14 mil anos em um sítio arqueológico em Monte Verde, no interior do Chile. O achado confirma evidências anteriores de que o local abrigou o mais antigo povoamento conhecido das Américas, há 14.600 anos.
A maior parte dos estudiosos acredita que os humanos entraram nas Américas pelo estreito de Bering antes de 16 mil anos atrás. Mas não se sabe se eles colonizaram o continente se deslocando pela costa do Pacífico, pelo interior ou por ambos os caminhos.
O estabelecimento de uma rota de migração costeira pode ter permitido que essas pessoas alcançassem de modo relativamente rápido um local tão próximo à extremidade da América do Sul. Essa viagem pelo litoral seria facilitada pela possibilidade de explorar recursos costeiros familiares. Mas é difícil encontrar evidências desse modelo de migração, pois os níveis do mar hoje são bem mais altos do que naquela época e os povoamentos costeiros mais antigos estariam cobertos.
Quando era habitado, o sítio de Monte Verde estava 120 m acima do nível do mar e ficava a cerca de 90 km da costa oeste e a 15 km de uma baía marinha de litoral rochoso, localiza ao sul. Hoje a região está 59 m acima do oceano e distante 55 km e 11 km dos litorais oeste e sul, respectivamente.
Embora o sítio se localizasse no interior, a equipe liderada por Tom Dillehay, da Universidade Vanderbilt (Estados Unidos) e da Universidade Austral do Chile, recuperou restos de nove espécies de algas marinhas, que os habitantes da região deviam coletar da costa ou da baía. A datação das amostras por radiocarbono revelou idades entre 14.220 a 13.980 anos.
Os pesquisadores também encontraram três artefatos de pedra. Um deles, uma espécie de ferramenta de corte, tinha vestígios de algas marinhas presos à lâmina, o que sugere que foi usado para cortar ou preparar a planta. O material foi escavado de 24 lareiras e braseiros no chão de duas estruturas que os cientistas acreditam ser restos de uma cabana medicinal e uma tenda residencial.
Algas para fins alimentícios e medicinais
A estrutura mostrada na foto acima foi provavelmente uma cabana medicinal escavada no sítio de Monte Verde.
A análise dos achados, publicada na revista Science desta semana, indica que as algas eram importantes para a dieta e a saúde de humanos primitivos nas Américas. “Alguns fragmentos estavam chamuscados, o que sugere que foram cozidos e provavelmente comidos, embora outros sejam usados exclusivamente para fins medicinais, como indicado pelos índios Huiliiche, que vivem hoje na área”, conta Dillehay à CH On-line .
Também foram coletados outros recursos costeiros em Monte Verde, incluindo plantas aquáticas de estuários salobros, fósseis marinhos e betume, usado como adesivo para unir as ferramentas de pedra a cabos de madeira. Além disso, uma ampla variedade de comida tem sido recuperada no sítio desde sua descoberta, em 1976, incluindo vestígios de mamíferos, mariscos, vegetais e nozes.
“Esses novos dados indicam que os habitantes de Monte Verde estavam acostumados a explorar freqüentemente durante o ano recursos costeiros que, junto com alimentos do interior, permitiram que eles permanecessem na área”, dizem os autores no artigo.
Segundo Dillehay, a presença de recursos costeiros e terrestres no sítio indica que seus habitantes estavam entrando e saindo de diferentes zonas ecológicas. “Eles não eram apenas caçadores, mas coletores de plantas que tinham uma dieta de amplo espectro retirada de muitas zonas de recursos”, afirma. E completa: “As pessoas migravam continuamente entre o litoral e o interior e talvez negociassem recursos costeiros no sítio.”
Se esse padrão de movimentação entre áreas costeiras e o interior tiver sido seguido por todos os grupos de americanos primitivos, o povoamento das Américas pode ter sido um processo muito mais lento do que se acredita atualmente. “Os primeiros americanos teriam migrado para o interior e retornado para a costa, e teriam passado tempo suficiente na área para aprender sobre recursos específicos e onde encontrá-los”, estima Dillehay.
Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
08/05/2008