Violência gera violência

Embora estudos já tenham identificado elos entre exposição à violência e comportamento violento, eles não levavam em conta, de maneira adequada, a possibilidade de aspectos ligados à personalidade e ao ambiente afetarem quem é exposto e quem perpetra os atos. Por isso, uma relação de causa e efeito entre os dois fatores nunca pôde ser estabelecida com certeza. Agora, pesquisadores da Escola de Medicina de Harvard e da Universidade de Michigan, ambas nos Estados Unidos, conseguiram demonstrar que jovens que foram vítimas ou testemunharam crimes com armas de fogo têm duas vezes mais chances de apresentar comportamento agressivo.

null Segundo Jeffrey Bingenheimer, aluno de doutorado da Universidade de Michigan e um dos autores do artigo publicado na revista Science , a regra para esse tipo de estudo é ter dois grupos, um que é exposto a situações violentas e outro que não é, o controle. No entanto, o tema violência cria dificuldades técnicas e éticas para se trabalhar nesses moldes. Por isso, o grupo usou o método de estratificação de grau de propensão, no qual se separam os alvos de estudo em grupos de acordo com a probabilidade de serem expostos a uma determinada situação. Definindo posteriormente quem não foi exposto, os pesquisadores simulam um grupo controle.

Além disso, eles se concentraram em crimes com arma de fogo. “Essa é uma forma de violência letal e, por isso, tem um grande efeito, possível de se distinguir estatisticamente. Sua exposição também é clara, ou seja, uma pessoa sabe quando foi exposta a ela”, observa Bingenheimer em entrevista à CH On-line.

O trabalho foi realizado com 1.500 adolescentes de Chicago (EUA). Eles e seus pais foram entrevistados de maneira a determinar diversas variáveis. Analisando essa informação, os jovens foram agrupados de acordo com a probabilidade de exposição à violência com armas de fogo. Dois anos depois, eles foram entrevistados novamente para que os pesquisadores soubessem quem havia sido exposto: presenciado tiros ou sido alvo. Finalmente, três anos mais tarde, os autores da pesquisa realizaram mais uma entrevista para descobrir quem havia cometido atos violentos. Os dados os levaram à conclusão de que jovens que foram vítimas ou testemunhas de crimes com armas de fogos têm chances dobradas de apresentar comportamento agressivo.

Estatisticamente, os resultados só se aplicam aos adolescentes de Chicago na década de 1990. Mas, embora seja cauteloso ao dizer, Bingenheimer acredita que eles podem ser extrapolados para outras cidades. Para o pesquisador, não há razão para acreditar que os jovens do estudo sejam fundamentalmente diferentes dos de outras partes do mundo. “Creio que os seres humanos possuam um programa de desenvolvimento que converte exposição à violência armada em uma maior chance de comportamento agressivo. Isso é comum a todos nós”, afirma.

O grupo pretende agora estudar outros efeitos da exposição, como alterações psicológicas (depressão, ansiedade etc.) e escolares (notas, evasão). Eles também estão interessados na interação de características individuais, familiares e ambientais, e como elas podem influenciar os efeitos acima. “Algumas pessoas podem se tornar violentas, mas outras podem ficar deprimidas. Queremos saber se cada efeito é mais comum em determinados tipos de indivíduos, famílias ou vizinhanças”, relata Bingenheimer. Para ele, isso permitiria entender melhor o programa de desenvolvimento que possuímos e poderia indicar estratégias de intervenção para esses casos.

Fred Furtado
Especial para Ciência Hoje On-line
30/06/05