Violência urbana descaracteriza arquitetura moderna

Quem vive em metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo assiste a mudanças nas características arquitetônicas das construções modernas em função da violência urbana. Essa é uma das conclusões de um estudo coordenado pela arquiteta Sônia Ferraz, professora na Universidade Federal Fluminense (UFF), que analisa o reflexo da insegurança das elites a partir dos novos mecanismos de defesa instalados em suas residências.

Grades superpostas e rolos arame farpado são alguns dos elementos incorporados à arquitetura dos bairros abastados no Rio e em SP

 

“Observa-se a incorporação de elementos medievais com a volta das muralhas, torres de vigia, fossos, portões duplos, trincheiras e guaritas”, constata Ferraz. Segundo ela, a classe A chega a se apropriar de estruturas penitenciárias — como rolos de arame farpado e gaiolas — para cuidar da segurança. “A cerca elétrica, recém-inaugurada no Rio, é adotada na capital paulista há quase dez anos.”

A equipe fotografou em torno de mil residências e edifícios de Ipanema, Lagoa, Jardim Botânico, Leblon e Barra da Tijuca, no Rio, e dos bairros paulistanos de Moema, Jardins, Morumbi e Alto da Boa Vista. Para cada imóvel, os pesquisadores preencheram um formulário sobre as medidas de segurança instaladas (portaria comum/reforçada, grades, equipamentos eletrônicos e tamanho do muro de proteção), o que permitiu quantificar e qualificar tais dados. O estudo não pôde contar com muitas entrevistas dos moradores. “O sucesso da proteção é o sigilo, por isso elas são difíceis de serem concedidas”, justifica Ferraz.

 

Portões duplos, como no prédio acima, são elementos da arquitetura
medieval encontrados nas metrópoles brasileiras

A comparação revelou que SP tem sistemas de segurança mais sofisticados e diversificados que os do Rio devido sobretudo à concentração de renda, ao grande número de moradias isoladas (fora de condomínios) e ao maior índice de violência urbana. Além disso, não há diferenciais naturais que valorizem a terra: o que determina o custo da propriedade é a vizinhança. Assim, os bairros nobres de SP acabam isolados uns dos outros, enquanto os cariocas se concentram no litoral, o que facilita a proteção contra a violência.

A sofisticação dos sistemas de segurança em SP reflete o poder aquisitivo da cidade — o maior do país. A distribuição de renda, no entanto, é extremamente desigual — o que é condição primeira para a violência. Ela cria nas elites a necessidade de precaução — e explica que se pague mais de R$ 3 milhões por um sistema de última geração para proteção de uma casa de porte médio.

Grades que avançam sobre o passeio e atrapalham os pedestres refletem a
apropriação do espaço público, cada vez mais freqüente em Copacabana

 

A instalação de grades de ferro ou alumínio é um recurso habitual, prático e mais acessível. Porém, segundo os resultados do estudo, elas são a principal responsável pela descaracterização das construções de época. “As propriedades do ferro, antes subordinadas a uma estética arquitetônica orgânica, hoje são ‘formatadas’ pelo mercado da segurança e da proteção”, lamenta Ferraz.

 

A equipe trabalha atualmente na elaboração de um CD-Rom, última etapa do estudo que, além de abordar a descaracterização da arquitetura moderna em função da violência, apresentará reflexões sobre apropriação do espaço público em função da proteção, a violência na mídia e a apropriação do medo como apelo na publicidade imobiliária.

Maria Ganem
Ciência Hoje on-line
17/04/03