De dia ela dá sombra e água fresca. De noite, ar puro e comida farta. Quem não gostaria de ter uma vizinha assim? Pois as companheiras da Clusia hilariana não têm mesmo do que reclamar: essa árvore, encontrada em parte do litoral fluminense, quebra o maior galho para quem está à sua volta. Ela tem uma característica inédita: pertence ao único gênero de árvores conhecido capaz de absorver gás carbônico (CO 2 ) durante a noite.
A árvore Clusia hilariana absorve gás carbônico durante a noite
Tanta generosidade despertou a atenção de cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que, há dois meses, avaliam a contribuição dessa espécie e da vegetação à sua volta para o seqüestro de carbono da atmosfera. Os primeiros resultados obtidos pelo grupo — coordenado pelos professores Fábio Scarano e Eduardo de Mattos, do Departamento de Ecologia — já confirmam o grande potencial da planta nesse sentido.
Por viver em um ambiente quente e eventualmente seco — o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no norte fluminense –, a Clusia hilariana deve evitar a todo custo eliminar água. Acontece que uma planta só capta gás carbônico, faz a fotossíntese e produz seu próprio alimento se ficar exposta ao Sol por algumas horas, o que ocasiona exatamente a perda de água .
Nada que abale espécies como a C. hilariana . Diante do problema, elas conseguem uma saída interessante: assimilar gás carbônico à noite, ao contrário da maioria das plantas, que o fazem de dia. A opção de deixar o ‘trabalho pesado’ para o período noturno faz com que, naturalmente, elas transpirem menos.
Só que tudo tem seu preço. Para produzir os mesmos açúcares (alimentos) de uma planta que absorve gás carbônico diurno, espécies que assimilam CO 2 à noite precisam cumprir mais etapas metabólicas. A absorção noturna de gás carbônico requer um sistema de enzimas adicional, que não existe na maioria das plantas, o que implica um custo energético maior e pode comprometer o crescimento da planta.
Mas a Clusia não dá o galho a torcer. É grande, tem um mecanismo fotossintético bem ajustado ao ambiente extremo em que se encontra e, ainda por cima, brinda seu ecossistema com dois presentes: sombra — que ameniza a desidratação das companheiras — e alimento — por devolver à vizinhança uma grande quantidade de matéria orgânica. Sorte de poucos, pois a espécie aparece apenas em alguns pontos da costa fluminense, capixaba e em partes do Nordeste.
Já os pesquisadores não têm do que se queixar. Desde 1993 a equipe estuda a espécie e já fez parcerias com universidades estrangeiras, além de transformar a área de pesquisa, onde a Clusia é abundante, em parque nacional. Atualmente, o grupo tem o apoio do Ibama, da Petrobras e do CNPq.
O projeto deve ser concluído em dois anos e aguarda a chegada de novos equipamentos para medir a troca de gases entre a vegetação e a atmosfera. Assim, será possível determinar, com maior precisão, o papel desse ecossistema no processo. “Nosso enfoque é a vegetação como um todo e não apenas uma planta”, ressalta o professor Fábio. A vizinhança, feliz, agradece.
A perda da água na planta, isto é, a transpiração, se dá pelo mesmo local por onde ela absorve CO 2 para a fotossíntese: os estômatos, que são poros das folhas. Para manter a absorção de CO 2 e a atividade fotossintética (processo pelo qual a planta fabrica seu próprio alimento, os carboidratos), esses poros ficam abertos, o que causa perda de água para a atmosfera, principalmente em condições de baixa umidade do ar.
Rafael Barros
Ciência Hoje On-line
30/09/03