Vulgarização em tempos remotos

Nos últimos anos, o lançamento de novas revistas de ciência voltadas para o público não especializado marcou um nítido avanço nos esforços de disseminação dos conteúdos científicos no Brasil. Mas essas iniciativas de aproximar a ciência da população não são novidade: elas já vigoravam no país desde o século 19.

Para investigar as características da divulgação científica no Brasil naquela época, a historiadora Moema Vergara, da Coordenação de História da Ciência do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), analisou o periódico O Vulgarisador: jornal dos conhecimentos úteis. Editada pelo português Augusto Emílio Zaluar (1825-1882), essa publicação circulou no país no fim do século 19 e tinha como objetivo a popularização da ciência.

Jornal ‘O Vulgarisador’
Capa do jornal ‘O Vulgarisador’ publicada em 1877.

“No século 19, a ciência era entendida como um bem para todos, sinônimo de progresso”, afirma a historiadora. “Por isso, havia o esforço em divulgá-la, ou como se dizia à época, vulgarizá-la para o público geral”, explica.

Por vulgarização se entendia o esforço de levar ciência para leigos no assunto, divertindo e entretendo ao mesmo tempo. A ideia era estabelecer uma cultura científica que levasse à inclusão de novos termos no vocabulário da população e desse suporte ao desenvolvimento econômico e social do país.

Além dessa característica básica, Vergara destaca outros dois elementos que marcavam – e ainda marcam – a divulgação científica: o uso de uma linguagem acessível a todos e que não fatigue o leitor.

Exceção à regra

A historiadora conta que várias publicações brasileiras tinham em comum a missão de difundir a cultura científica. “Só no Rio de Janeiro, existiam cerca de 90 periódicos com a palavra ciência no título no início do século 19”, exemplifica. Entretanto, a maioria não conseguia ultrapassar o terceiro exemplar. O Vulgarisador fugiu a essa regra e permaneceu nas ruas por três anos (de 1877 a 1880) e 38 edições.

A principal característica do jornal era reconhecer as imagens como um atrativo lúdico para os leitores. Por isso, cada edição trazia uma ou mais gravuras. “O destaque dado às ilustrações foi o que me fez optar por essa publicação”, afirma Vergara.

Expedição do alemão Franz Leuzinger
Fotograma do encontro da expedição do alemão Franz Keller Leuzinger com os índios Caripunas no rio Madeira em 1867, publicado em edição de 1877 de ‘O Vulgarisador’. O fotograma original está rasgado, mas foi reproduzido em um livro de Franz Keller Leuzinger.

A pesquisadora conta que, durante o século 19, a divulgação de imagens era muito intensa nos periódicos. Entretanto, os editores nem sempre faziam referência às suas fontes de origem.

“Os missionários científicos acreditavam que qualquer informação ou conhecimento científico deveria ser compartilhado”

Esse hábito, segundo ela, era um reflexo do pensamento “ciência para todos”, que prevalecia na época. “Os missionários científicos acreditavam que qualquer informação ou conhecimento científico deveria ser compartilhado independentemente da apresentação de fontes ou créditos”, esclarece.

Segundo Vergara, outra característica de O Vulgarisador que chama atenção era a constante presença de crônicas escritas por literatos expoentes da época, como José Alencar e Machado de Assis. “A ciência também estava presente na literatura daquele momento”, destaca.

Periódico digitalizado

A Estátua do Liberto
‘A Estátua do Liberto’, publicada em 1878 em ‘O Vulgarisador’. A mesma imagem pode ser vista em livro de Frank Norton de 1876.

Como resultado da pesquisa, foi lançada uma página na internet onde os usuários podem acessar o periódico digitalizado e imagens da época que tiveram sua origem rastreada por Vergara e sua equipe.

“Por seu grande apelo visual, a internet é a plataforma ideal para divulgarmos essas gravuras”, avalia a historiadora.

“Como narrar a história da divulgação científica a partir de imagens ainda é algo pouco explorado no Brasil, criar o site foi a forma que encontramos para estabelecer contato com pessoas que estejam interessadas no tema”, conclui.

Ana Paula Monte

Ciência Hoje On-line