Zoológico de clones

Um zoológico repleto de clones. Parece um mote de ficção científica, com direito a monstros e explosões, mas não é nada disso: a proposta pode começar a ser viabilizada por uma parceria entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Fundação Jardim Zoológico de Brasília. O projeto pretende estudar a aplicação de biotecnologias reprodutivas, como a inseminação artificial e a clonagem, em espécies silvestres. A iniciativa pode aprimorar o conhecimento científico na área e fornecer espécimes para os zoológicos do país, evitando a retirada de animais da natureza.

Vários animais comporão os bancos de amostras genéticas, mas os testes de transferência nuclear serão realizados em apenas um por vez. O lobo-guará, presença marcante no cerrado, pode ser um dos primeiros

A Embrapa não é iniciante na área de clonagem animal. A empresa foi responsável pela criação da vaca Vitória, o primeiro animal clonado na América Latina, que morreu no ano passado, aos 10 anos. Na última década, a tecnologia vem sendo aprimorada pela empresa e estudada, por exemplo, para a produção de espécimes transgênicos. “No entanto, esse será o primeiro projeto voltado à clonagem de animais silvestres no país, apesar de iniciativas desse tipo já serem desenvolvidas fora do Brasil”, afirma o médico veterinário Carlos Frederico Martins, da Embrapa.

A parceria da empresa com o zoológico de Brasília deve ser concretizada em 2013 e inclui auxílio no manejo com os animais e desenvolvimento de estruturas laboratoriais. O zoo fornecerá materiais biológicos e dará suporte no trato dos animais para os procedimentos reprodutivos. Já a empresa auxiliará a estruturação de um laboratório de reprodução assistida no zoológico e o treinamento de seus biólogos e veterinários. A proposta é que eles continuem a pesquisa de forma independente no futuro.

Segundo Martins, ainda não foram definidas quais espécies serão incluídas nos estudos, em especial nos de clonagem. “Vários animais vão compor nosso banco de amostras genéticas, mas os testes de transferência nuclear serão realizados em apenas um por vez”, explica. “O lobo-guará, pela marcante presença no cerrado, deve ser um dos primeiros.” O acervo da Embrapa já conta com amostras de oito espécies e a parceria com zoo deve permitir a obtenção de material de animais exóticos e de outros biomas.

Fabricando clones

Para o desenvolvimento dos clones, os pesquisadores utilizarão um processo de transferência nuclear parecido com o aplicado na criação da ovelha Dolly, primeiro mamífero clonado no mundo. A primeira fase do projeto envolverá núcleos de células dos tecidos conjuntivo e adiposo de animais silvestres, que serão introduzidos em ovócitos de fêmeas da mesma espécie cujos núcleos foram removidos. “O processo vai gerar embriões 99% iguais aos originais do ponto de vista genético”, diz Martins. “A diferença de 1% vem do material genético das mitocôndrias do citoplasma do ovócito”, explica.

O primeiro objetivo será avaliar o potencial de produção e a qualidade dos embriões. “Quando alcançarmos um desenvolvimento embrionário satisfatório, começaremos a tentar gestações completas”, conta o pesquisador. “Depois, vamos testar o uso de ovócitos de animais domésticos com proximidade cromossômica e fisiológica com as espécies silvestres, o que facilitaria a obtenção de material em quantidade.”

Vaca Vitória
A vaca Vitória foi o primeiro animal clonado no Brasil, em 2001. Apesar da experiência da Embrapa, o projeto de clonagem de animais silvestres não é simples, devido a fatores como o desconhecimento de detalhes da reprodução assistida nesse tipo de animal, a baixa eficiência geral do processo e a dificuldade de obtenção de material biológico. (foto: Clarissa Lima/Embrapa)

Apesar da clonagem de bovinos já ser um procedimento comercial no Brasil, sua adaptação para animais silvestres não é simples. Martins explica que, além da própria técnica aplicada a bovinos ainda apresentar eficiência baixa e do pouco conhecimento existente sobre reprodução assistida em animais silvestres, a obtenção de material biológico na quantidade necessária também será complicada. “Nossa expectativa é justamente desenvolver esse tipo de metodologia para os mamíferos silvestres”, avalia. 

O pesquisador reforça a importância de aperfeiçoar o processo. “A clonagem pode ser aplicada na produção de animais transgênicos economicamente vantajosos, mais resistentes a certas doenças e que podem ser utilizados na produção de biomoléculas de uso humano, como a insulina e fatores de coagulação”, avalia. “A metodologia vem sendo estudada com intensidade, pois há vários aspectos que precisamos melhorar, ligados aos tipos celulares a serem utilizados e à reprogramação nuclear, por exemplo.”

Clones e preservação

Segundo Martins, neste momento a importância do projeto seria produzir exemplares de animais em extinção para os zoológicos, evitando a retirada de espécimes da natureza. “O processo de clonagem pode diminuir a variabilidade genética dos animais, por isso a intenção é somente produzir clones para os zoológicos, onde poderão ser estudados e nos dar mais informações sobre essas espécies”, explica. “Porém, não há possibilidade de recuperar uma população somente com a clonagem.”

O estudo com clonagem em animais silvestres é pontual, visa estudar o procedimento e servir de repositório  para os zoológicos. Para proteger as espécies, é fundamental preservar seus hábitats naturais 

Por isso mesmo, Martins reforça a necessidade de não mudar o foco das preocupações ecológicas com essas espécies ameaçadas. “O que é fundamental é preservar os hábitats naturais desses animais; essa é a única maneira de preservação da fauna silvestre”, avalia. “O estudo com clonagem em animais silvestres é pontual e emergencial, visa apenas estudar o próprio procedimento nessas espécies e servir de repositório de animais para o zoológico.”

Os experimentos com as biotecnologias reprodutivas serão iniciados após a assinatura do contrato de cooperação técnica entre a Embrapa e o zoológico. As pesquisas devem começar no início de 2013, após a avaliação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que precisará autorizar, inclusive, a utilização no projeto das amostras já pertencentes aos bancos da Embrapa e acompanhará todos os detalhes das pesquisas.

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line