Novamente China. É realmente impressionante o que investimento em ciência, resultante de uma inteligente política pública de estado que privilegia o desenvolvimento da pesquisa básica, consegue alcançar. Em projeto coordenado por Xing Xu (Institute of Vertebrate Paleontology and Paleoanthropology, Pequim), cientistas acabam de descobrir uma das mais bizarras criaturas de que se tem notícia: um verdadeiro dragão chinês! Trata-se de um dinossauro com os membros anteriores muito desenvolvidos, particularmente os dedos da mão, juntamente com um osso alongado que estava ligado a região do pulso do animal. De quebra, o exemplar conta com a preservação de tecido mole, envolvendo penas primitivas e restos de membrana alar em uma combinação jamais vista nos dinossauros. Não por acaso, a descoberta foi destaque na Nature, mais uma sobre um achado paleontológico made in China!
O animal foi encontrado na região de Mutoudeng, situado na província Hebei, região norte do país. O fóssil foi recuperado de camadas denominadas Formação Tiaojishan, que foram depositadas na transição do Jurássico médio ao superior, há aproximadamente 160 milhões de anos. Esses depósitos têm revelado uma fauna e flora bem interessante, incluindo restos de diversos grupos de plantas, como samambaias, coníferas, ginko e cicadáceas, até insetos e aracnídeos, sem contar com vários pterossauros (répteis alados que foram os primeiros vertebrados a desenvolverem o voo ativo), dinossauros e mamíferos. Destes últimos destacam-se Volaticotherium, um marsupial voador que se alimentava de insetos, e Castorocauda, espécie de protomamífero de hábitos aquáticos.
Yi qi, como a nova fera foi chamada – um nome que pode ser traduzido como “asa estranha” – é um dinossauro para lá de esquisito, unindo ao mesmo tempo características típicas de vários grupos de répteis. A estrutura geral da cabeça é dos dinossauros carnívoros não avianos, mas com uma feição que vem se tornando cada vez mais comum: uma crista na parte anterior do crânio, tornando o seu bico relativamente alto. Na região da cabeça e do pescoço, existem filamentos de até três centímetros que os cientistas identificaram como penas primitivas. Entre os braços e o corpo, são encontradas diversas áreas com parte de uma membrana preservada. Os seus braços eram muito longos quando comparados a outras partes do corpo. O tamanho dos dedos também é maior do que nos demais dinossauros, sobretudo o quarto, que chega a ser maior do que o antebraço. Além disso, Yi qi tinha um osso muito longo no pulso, que certamente servia de sustentação para a membrana alar.
Sinceramente, nesses tempos de manipulação genética, Yi qi seria como se você pegasse um dinossauro não aviano, misturasse com uma ave, de onde viriam as penas, e com um pterossauro, de onde viriam a membrana e o osso do pulso (denominado de pteroide nesses répteis alados) em tamanho família. Só faltou o morcego!
Nova maneira de voar
Curiosamente, não existiam grandes áreas de inserção muscular nos membros anteriores, o que sugere a ausência de músculos possantes que seriam necessários para bater as asas, condição desenvolvida pelas aves, morcegos e pterossauros, os únicos vertebrados conhecidos a terem desenvolvido essa estratégia de voar. Também não pode ser observada a presença de um esterno, base principal da ancoragem dos músculos da região peitoral, tão necessários para o voo ativo.
Outra feição que me surpreendeu foi o tamanho dos ossos que formam a região do metatarso – parte que liga os dedos do pé (não preservados nesse espécime) com os ossos do tornozelo: também são muito grandes. Isso poderia sugerir que esse animal se impulsionava com um salto para alçar voo.
Infelizmente, o fóssil de Yi qi não é completo e partes cruciais para determinar detalhes anatômicos não estão preservadas. É certo que o alongado osso da asa estava, de alguma forma, atrelado ao pulso do animal, mas não se tem detalhes de como. Não se sabe, por exemplo, se havia alguma articulação especial e, assim, não se tem uma noção exata do seu grau de movimento – o quando poderia ser elevado ou defletido, o que tem implicações diretas na maneira de voar. Também não se sabe o grau de extensão da membrana alar, que poderia ser pouco desenvolvida, estando mais próxima do corpo, ou então bastante extensa. Seja como for, os cientistas acreditam que Yi qi e era um planador e, talvez, não teria condições de bater as asas.
Já é de conhecimento geral que os dinossauros desde cedo aprenderam a voar, o que ocorreu com as aves (que são dinossauros modificados) ao desenvolverem as penas. Também existem os microraptores, que possuíam penas não apenas nas asas, mas também nas pernas, que estavam ativamente integradas ao voo do animal. Agora, surge esse novo dragão chinês, que aprendeu a voar de forma totalmente diferente daquela usada por seus irmãos reptilianos. Esse é um dos aspectos mais fascinantes do estudo, quando consegue demonstrar essa variedade que os dinossauros experimentaram para dominar o céu do nosso planeta há milhões de anos.
Precisamos de um exemplar mais completo de Yi qi que possa fornecer mais detalhes dessa bizarra criatura jurássica que outrora habitou a parte do planeta que hoje chamamos de China. De qualquer forma, essa descoberta mostra como um país consegue destaque internacional por meio de uma política inteligente de financiamento sistemático à pesquisa, em prol do desenvolvimento da ciência. Enquanto isso, em um certo país da América do Sul…
Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ Academia Brasileira de Ciências
Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia
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No dia 13 de julho próximo, durante a 67a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que será realizada na Universidade Federal de São Carlos, está sendo organizada a mesa redonda “Evidências Paleontológicas da Realidade da Evolução”. Promovida pela Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP), a proposta é a de discutir as diferentes linhas de pesquisa que demonstram a evolução da flora e fauna ao longo de milhões de anos e da necessidade de se promover o ensino da ciência, incluindo a evolução, nas escolas. Não perca!
Andrea Jiménez-Sanchez (University of West Bohemia, República Checa) e colegas acabam de descrever um conjunto de briozoários fósseis (invertebrados marinhos de hábito colonial) procedentes de rochas formadas há aproximadamente 450 milhões de anos no Marrocos. Foram identificadas 11 espécies, algumas das quais de tamanho bastante grande para esse grupo. O estudo foi publicado no Journal of Paleontology.
Uma nova tartaruga jurássica acaba de ser encontrada na Suíça. Denominada de Portlandemys gracilis, a nova espécie possui o crânio e a mandíbula completos e contribui para um melhor entendimento das da evolução craniana de algumas das formais mais basais desses répteis. O estudo foi realizado coordenado por Jérémy Anquetin (Section d’Archéologie et Paléontologie, Office de la Culture, République et Canton du Jura, Suiça) e acaba de ser publicado na Plos One.
Bruce MacFadden (Museu de História Natural, Florida) e colegas acabam de publicar no Journal of Paleontology a ocorrência de Gomphotherium (parente distante dos elefantes) em depósitos do Mioceno (~15 milhões de anos) no Panamá. Apesar de fragmentário, o material pode ser considerado a ocorrência mais antiga de Gomphotherium da América Central.
O autor desta coluna acaba de publicar uma revisão sobre pterossauros do Triássico encontrados na Groenlândia, na Áustria e na Itália, e estabeleceu que a diversidade desses répteis alados durante aquele período geológico era maior do que se supunha. A pesquisa foi publicada nos Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Acaba de ser publicado o volume completo do RIO PTERO 2013 – reunião realizada com os principais pesquisadores que atuam no estudo dos pterossauros. Todos estão disponíveis na página da Historical Biology, períódico onde os trabalhos foram publicados.