Um dinossauro na gaveta

Imagine um passeio pelas coleções de um museu de história natural famoso que contenha milhares de fósseis. Em um daqueles armários que não é aberto há anos, você procura um conjunto de ossos que havia sido estudado em uma tese de doutorado inédita feita por um grande pesquisador, falecido há muitos anos.

De forma despretensiosa, você pega o maior dos ossos e um detalhe que havia passado desapercebido te chama a atenção. O coração dispara: este pode ser parte dos restos do dinossauro mais antigo que se conhece!

Então você abre a gaveta em que esses ossos estão guardados e os observa. Nota que estão bastante quebrados. De forma despretensiosa, pega o maior deles, retira um pouco da poeira e algo te chama a atenção. Um detalhe que havia passado desapercebido pelo falecido mestre. E aí o coração dispara: o que você está segurando pode ser parte dos restos do dinossauro mais antigo que se conhece!

Mesmo romanceando um pouco o achado de Nyasasaurus parringtoni, foi algo assim que ocorreu com um grupo de jovens pesquisadores que estavam reestudando antigas coleções de ossos fossilizados. O material havia sido escavado de depósitos formados entre 240 milhões e 245 milhões de anos atrás na Tanzânia e ficou guardado durante cerca de 75 anos no Museu de História Natural de Londres (Inglaterra), um dos principais e mais tradicionais museus de história natural do mundo.

O novo estudo, liderado por Sterling Nesbitt, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, acaba de ser publicado na Biology Letters e abre mais um capítulo na pesquisa dos dinossauros.

História de uma descoberta

Tudo começou há muitos anos, mais precisamente na década de 1930, quando o paleontólogo inglês Francis Rex Parrington (1905-1981) coletou alguns ossos nas proximidades do lago Nyasa, situado na região sul da Tanzânia. Parrington realizou diversas incursões por aquele país africano, tendo encontrado fósseis em muitas localidades.

O material que acaba de ser reestudado veio de rochas que pertencem ao chamado Membro Lifua, parte das camadas Manda da Bacia Ruhuhu. Essas rochas são bem antigas: datam do andar Anisiano do Triássico Médio (entre 245 milhões e 237 milhões de anos atrás).

O primeiro pesquisador a estudar esses ossos identificou o exemplar como um réptil, mas não o associou aos dinossauros

O primeiro pesquisador a estudar esses ossos foi Alan J. Charig (1927-1997), importante cientista do Museu de História Natural de Londres, em sua tese de doutorado apresentada em 1956. Ele identificou o exemplar como um réptil, mas não o associou aos dinossauros. Tempos depois, mais precisamente em 1967, esse mesmo pesquisador cunhou o nome Nyasasaurus parringtoni.

Como é comum, muitas vezes a identificação de exemplares em dissertações de mestrado e teses de doutorado não é publicada formalmente, o que foi o caso dessa pesquisa. Para que uma nova espécie seja considerada válida, existem procedimentos formais, como apresentar uma boa figura do espécime e a descrição do material, além de estabelecer uma diagnose (informações que justifiquem que a espécie é diferente das demais). Como Charig não tomou essas providências, o nome passou a ser considerado inválido.

Agora Nesbitt e colaboradores redescreveram o material e, procurando dar valor à descoberta de Charig, não apenas usaram o mesmo nome que ele havia sugerido para designar a nova espécie, como também o colocaram, mesmo após a sua morte, como um dos autores do trabalho. Uma justa homenagem ao velho mestre!

Ser ou não ser um dinossauro, eis a questão

O material de Nyasasaurus parringtoni é bastante incompleto, formado por um úmero (osso do braço) e seis vértebras, três das quais pertencem à bacia (pélvis) do animal. Também foram estudados outros fósseis associados à nova espécie, depositados no Museu Sul-africano Iziko, na cidade do Cabo (África do Sul) e compostos por vértebras do pescoço e da região dorsal. Não precisa nem mencionar ao leitor a dificuldade de realizar uma identificação livre de suspeitas devido à escassez de material.

Apesar da pouca quantidade de ossos, os autores acreditam que a nova espécie tinha em torno de 3 metros de comprimento e pesava cerca de 60 quilos.

Segundo eles, existem duas características no parco material de Nyasasaurus que são exclusivas dos dinossauros, ambas encontradas no úmero, mais especificamente na parte denominada de crista deltopeitoral, onde se aloja parte da musculatura relacionada ao movimento do braço.

Úmero na gaveta
Úmero de ‘Nyasasaurus parringtoni’, em vista anterior (a) e posterior (b). Note a extensão da crista deltopeitoral (dp) e sua localização lateral. Essas são as características indicativas de que a nova espécie representaria um dinossauro. (imagem: Nesbitt et al/ Biology Letters)

A grande extensão dessa crista e o fato de a mesma ser deslocada para a parte lateral são os detalhes anatômicos que suscitaram as suspeitas iniciais dos pesquisadores de que aqueles ossos descritos na tese de Charig poderiam representar um dinossauro.

Outra linha de evidência levantada por Nesbitt e colaboradores é o padrão histológico (ou melhor, paleohistológico) encontrado no úmero da nova espécie. Conforme eles puderam estabelecer, Nyasasaurus possuía um crescimento rápido, o que é compatível com os dinossauros e não com répteis mais basais.

Mas nem tudo são flores para os pesquisadores. Uma característica que pode colocar em dúvida essa identificação é a presença de três vértebras na região da bacia (chamadas de vértebras sacrais). Essa feição não é exclusiva dos dinossauros e também é encontrada em formas aparentadas a eles.

Porém, o maior problema associado à identificação desses ossos é o grande desconhecimento que se tem com relação a esses primeiros estágios evolutivos dos répteis, que acabaram dando origem aos dinossauros. Assim, nada impede que, com material mais completo, Nyasasaurus acabe sendo novamente reinterpretado como um pré-dinossauro.

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O padrão encontrado na lâmina paleohistológica do úmero de ‘Nyasasaurus parringtoni’ sugere que esse réptil teve um crescimento rápido, assim como acontece com os dinossauros. (imagem: Natural History Museum)

Pode parecer frustrante, mas muitas vezes existem limitações no que se pode afirmar sobre determinado fóssil. Em alguns casos, você tem a impressão de estar correto, mas não possui todos os elementos para fazer a afirmação sem que pairem dúvidas.

Uma coisa é certa: os dinossauros e suas formas aparentadas eram raros durante o Triássico Médio. Naquela época, o mundo era dominado por rincossauros, dicinodontes e répteis basais carnívoros que não estão na linha evolutiva dos dinossauros. O achado de Nyasasaurus parringtoni demonstra que a evolução desses répteis não foi tão rápida como se supunha e potencialmente antecede em cerca de 15 milhões de anos o mais antigo registro desse grupo.

Importância das coleções antigas

O estudo de Nesbitt e colegas demonstra novamente que, em muitos casos, importantes descobertas podem ser feitas não apenas nas suadas expedições de campo, fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa paleontológica. Às vezes, achados extraordinários ocorrem nas coleções dos próprios museus, quando espécimes antigos são reexaminados com um olhar diferente proporcionado pelo avanço das pesquisas.

Por isso, precisamos cuidar muito bem das nossas coleções e dos nossos museus de história natural, cuja função, entre outras, é a de abrigar um rico acervo para as gerações futuras. Esse é o caso do Museu de História Natural de Londres. Infelizmente, não podemos falar o mesmo das instituições similares de nosso país, que andam muito descuidadas pelo poder público. Mas essa já é outra história…

Alexander Kellner
Museu Nacional/ UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

 

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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Fernando Novas (Museo Argentino de Ciencias Naturales “Bernardino Rivadavia”, Buenos Aires) e colegas acabam de descrever um novo pterossauro da Argentina no Journal of Vertebrate Paleontology. Coletado em depósitos formados há cerca de 70 milhões de anos na província Rio Negro, Aerotitan sudamericanus é baseado em uma arcada inferior desprovida de dentes e representa o grupo denominado de Azhdarchidae, que inclui algumas das maiores formas de répteis voadores já encontrados. A abertura alar da nova espécie é estimada em cinco metros.

Já estão abertas as inscrições para o processo seletivo da turma de 2013 do curso de especialização Geologia do Quaternário. Organizado pelo Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional/UFRJ, o curso tem por objetivo principal a formação de pesquisadores interessados em solucionar problemas científicos envolvendo o período Quaternário nas áreas de geologia, paleontologia e arqueologia. Vale a pena conferir!

Roger Benson (University of Cambridge, Cambridge, Inglaterra) e colegas acabam de publicar no Journal of Systematic Palaeontology a descrição de um novo réptil marinho do grupo dos plesiossauros. Vectocleidus pastorum foi encontrado em rochas do Cretáceo Inferior da Ilha de Wight (Inglaterra) e pertence a um grupo raro de plesiossauros de pescoço curto. De quebra, os autores revisaram diversas espécies desses répteis aquáticos, chegando à conclusão de que muitas formas ocuparam ambientes de águas doces ou salgadas rasas, diferentemente da maior parte dos plesiossauros, tidos como formas marinhas de águas profundas.

A descrição de novos exemplares da angiosperma primitiva Archaefructus encontrados em depósitos da Formação Yixian (Cretáceo Inferior, China) acaba de ser publicada na Palaeoworld. Os pesquisadores chineses Xin Wang (Nanjing Institute of Geology and Palaeontology, Nanjing) e Xiao Zheng (Linyi University, Shandong) obtiveram novas informações relativas ao arranjo das frutas e das sementes e ao padrão de ramificação. O estudo apresenta diversas novidades sobre os primeiros estágios evolutivos das plantas com flores que dominam os ecossistemas atuais.

Acaba de ser publicado na Nature um estudo sobre os solos existentes na Austrália há 600 milhões de anos, tempo geológico conhecido como Ediacarano. Os fósseis nesses depósitos eram considerados essencialmente animais marinhos. No entanto, George Retallack (University of Oregon, Eugene, Estados Unidos) demonstrou que boa parte desse material se assemelha aos líquens (associação de fungo com alga ou cianobactéria) e formas similares.

Um estudo sobre ovos fósseis encontrados em depósitos do Cretáceo Superior da Espanha foi publicado recentemente na Cretaceous Research. Albert Sellés (Institut Catalá de Paleontologia Miquel Crusafont, Barcelona) e colegas encontraram mais de 30 níveis com ovos fósseis, todos atribuídos a dinossauros, na região conhecida como Coll de Nargó.