O artigo “Guerras contemporâneas”, de José Miguel Arias Neto, traça um panorama dos conflitos bélicos travados desde a formação dos modernos Estados europeus do século XVI até as guerras contemporâneas, em relação às suas estruturas de funcionamento, interesses e tecnologias envolvidas. O artigo, que foi publicado em CH 409, é extenso e abarca um conjunto muito grande de conflitos, de modo que há diversas atividades que podem ser feitas em sala de aula a partir dele.
Aqui, propomos uma discussão em duas frentes: as diferenças entre as guerras territoriais europeias e outras lógicas de guerra (especificamente as indígenas), e um debate sobre a aplicabilidade do conceito de genocídio em contextos específicos.
A atividade deve partir de uma leitura do artigo “Guerras contemporâneas”, publicado em CH 409, focando em sua introdução e nas seções “Revoluções e Genocídios”, “Iluminismo e Revolução Industrial”, “Racismo e dominação” e “Industria do extermínio”. A ideia é que os estudantes leiam o texto (ou partes dele) em sala de aula e que, depois, um debate seja conduzido a partir de alguns trechos.
O primeiro desses trechos é: “embora as guerras produzam morte e destruição, elas são completamente diferentes, e só a História delas permite a sua compreensão”. Os estudantes devem ser questionados quanto à motivação das guerras, e é muito possível que suas respostas caminhem na direção de conflitos territoriais. De fato, esse é o caráter das guerras modernas ocidentais e das guerras contemporâneas, mas há outros tipos de guerra.
As guerras entre os povos Tupi, que viviam no litoral do Brasil à época da invasão portuguesa, no século XVI, eram marcadas pela lógica da vingança, não pela busca de território. Para discutir essa questão, sugere-se que seja exibido o vídeo “Antes do Brasil, Cabo Frio, 1530”, da série “Histórias do Brasil”, que tem cerca de 25 minutos (link disponível no item “Explore +).
Esse vídeo, que combina depoimentos do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, narrações e dramatizações, demonstra como a guerra dos Tupi não desumanizava o inimigo, pelo contrário, era fundamental que o inimigo fosse reconhecido como alguém valoroso. Era isso que garantia o mérito da vitória. Isso se opõe à tradição ocidental de atribuir ao outro/inimigo o atributo de “menor que eu”, a partir de juízos de valor religiosos, morais e/ou raciais.
A partir da ideia de “desumanização do outro”, outro trecho pode ser discutido: “O maior genocídio já perpetrado na história conhecida da humanidade foi a conquista da América, com o extermínio estimado de mais de 90 milhões de pessoas que integravam os mais variados povos e civilizações indígenas. Mas não estão excluídos dessas guerras coloniais os processos de escravização de milhões de africanos e o início da conquista da Ásia”.
Buscando o conhecimento prévio dos estudantes, o docente deve questionar sobre o significado da palavra genocídio. Em seguida, pode ler a definição de genocídio presente no artigo 2º da “Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio” (disponível no item “Recursos utilizados”).
A definição parece muito apropriada para a tipificação de genocídios como o Holocausto, mas provoca discussões em outros casos. Por exemplo: as violações cometidas contra os povos indígenas do continente americano ou o massacre cometido contra o povo palestino poderiam ser qualificados como genocídios a partir dessa definição? Um debate a esse respeito pode ser promovido, com o professor ressaltando que a polêmica do conceito gira em torno da ideia de “intencionalidade”. Para alguns juristas, para que haja crime de genocídio é necessário que se comprove a intenção de se exterminar um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.
A partir desse ponto de vista, ações motivadas por interesses econômicos ou por alegada necessidade de defesa do território não poderiam ser qualificadas como genocídio, porque a intenção que levou a essas ações não seria o extermínio em si.
Esse entendimento, entretanto, possui uma série de questionamentos. Quando interesses econômicos levam a ações que podem levar ao extermínio de um grupo e assume-se o risco desse extermínio (caso da política indigenista durante a ditadura militar, por exemplo), ou quando ações de alegada defesa promovem conscientemente a destruição de um território extenso, com milhares de vítimas, em sua maioria mulheres e crianças (caso da guerra entre Israel e o Hamas), não seria razoável o entendimento de que se trata de um genocídio?
Como culminância dessa atividade, os estudantes devem produzir um pequeno texto defendendo o seu ponto de vista sobre a aplicabilidade do conceito de genocídio nas situações acima referidas. Essa produção pode resultar em outros trabalhos, a depender do tempo do docente, como a realização de um júri simulado para a discussão de guerras específicas.
Vídeo “Antes do Brasil, Cabo Frio, 1530”, disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=lIVU79GTsw4
Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, disponível no link: https://www.mprj.mp.br/documents/20184/99247/Convencao_para_a_prevencao_e_repressao_do_crime_de_genoc.pdf
ASCENSO, João Gabriel da Silva; ARAÚJO, Rayane Barreto de. Genocídio indígena e ecocídio no Brasil. Ciência Hoje, n. 372, Rio de Janeiro, 2020, disponível no link: https://cienciahoje.org.br/artigo/genocidio-indigena-e-ecocidio-no-brasil/#:~:text=Esse%20cen%C3%A1rio%20de%20ecoc%C3%ADdio%20est%C3%A1,134%25%20entre%202018%20e%202019.