A tese jurídica do marco temporal contraria um princípio da Constituição Brasileira de 1988: o princípio do indigenato. Trata-se da concepção de que o direito dos povos indígenas às suas terras é um direito originário, anterior à própria existência do Estado brasileiro, motivo pelo qual esse mesmo Estado deve zelar pela garantia desse direito e reparar injustiças cometidas. Indo em direção contrária, os que defendem um “marco temporal” para o direito indígena às suas terras propõem que os únicos indígenas que têm direito ao seu território são aqueles que efetivamente se encontravam nele na data de 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada – o que desconsidera o fato de que uma imensa quantidade de povos indígenas vem sendo historicamente expulsa de seus territórios tradicionais.
Ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha considerado a tese do marco temporal inconstitucional em 21 de setembro de 2023, pouco tempo depois, em 28 de dezembro do mesmo ano, foi promulgada no Senado a Lei 14.701/2023, que legitimou o marco temporal no legislativo. No presente momento, o STF promove audiências de conciliação sobre a lei aprovada, e o futuro da sua aplicação ainda é incerto. Nesse material, propomos uma reflexão de longa duração sobre a relação dos povos indígenas com o Estado brasileiro.
A atividade será montar uma linha do tempo que reflita sobre os direitos dos povos indígenas e a sua relação com o Estado brasileiro ao longo dos séculos XX e XXI. Para isso, alguns momentos devem ser privilegiados: o início da República e a formação da ideia de tutela indígena; o contexto da ditadura militar e o aumento da ofensiva sobre a Amazônia; a Constituinte de 1988; o momento atual da relação entre indígenas e Estado brasileiro.
A ideia é que os alunos sejam divididos em 4 grupos (ou mais, com mais de um grupo ficando responsável por cada tema) e que, sob a supervisão do docente, investiguem aspectos desses períodos, no que diz respeito à relação entre indígenas e Estado.
Alguns desses aspectos podem ser:
1- O início da República e a formação da ideia de tutela indígena
– Marechal Rondon e a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI)
– A “incapacidade relativa” dos indígenas
– O estabelecimento da tutela indígena
– A busca por transformar o indígena em um “trabalhador nacional”
2- O contexto da ditadura militar e o aumento da ofensiva sobre a Amazônia
– O “Relatório Figueiredo”, as denúncias de violações de direitos humanos contra indígenas e a criação da Funai
– O avanço sobre a Amazônia e o discurso de “integração nacional”
– A Guarda Rural Indígena e o Reformatório Krenak
– O projeto da Emancipação de 1978
– O movimento indígena na ditadura militar
3- A Constituinte de 1988
– O “Programa de Índio” e as informações sobre a Constituinte
– A presença de indígenas na Assembleia
– Os aliados dos indígenas na Assembleia
– As garantias legais da Constituição em relação aos povos indígenas
– O princípio do indigenato
4- O momento atual da relação entre indígenas e Estado brasileiro
– A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
– A realização dos Acampamentos Terra Livre (ATL)
– A criação do Ministério dos Povos Indígenas
– A eleição de parlamentares indígenas
– A luta contra a tese jurídica do marco temporal
(No item “Explore+”, há recomendação de materiais para todos esses momentos.)
Há diversos formatos a partir dos quais os trabalhos podem ser apresentados, mas o ideal é que se possa construir um mural com uma linha do tempo em que cada um desses aspectos seja destacado de alguma forma.
A partir das exposições dos grupos, o docente deve incentivar os estudantes a refletirem, ao longo do período de um século que a sequência didática aborda:
Após essa etapa do trabalho, o artigo “Marco temporal: danos à política indígena, climática e ambiental”, publicado em CH 416, pode ser discutido (integralmente ou em partes a serem selecionadas pelo docente), de modo que as ameaças aos direitos indígenas sobre suas terras sejam associadas a ameaças mais amplas à biodiversidade amazônica e aos desafios atuais do nosso cenário de mudanças climáticas. Uma parceria entre docentes de História e de Biologia é muito bem-vinda!
O início da República e a formação da ideia de tutela:
Livro “A presença indígena na formação do Brasil”, de João Pacheco de Oliveira e Carlos Augusto da Rocha Freire. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000154566
O contexto da ditadura militar e o aumento da ofensiva sobre a Amazônia:
Artigo “Genocídio indígena e ecocídio no Brasil”, de Rayane Barreto de Araújo e João Gabriel da Silva Ascenso. Disponível em: https://cienciahoje.org.br/artigo/genocidio-indigena-e-ecocidio-no-brasil/
Repositório “A ofensiva da ditadura militar sobre a Amazônia”, de Ricardo Cardim. Disponível em:
https://quatrocincoum.com.br/galeria/a-ofensiva-da-ditadura-militar-contra-a-amazonia/
Episódio “A questão indígena na ditadura militar”, do Podcast “História para você”. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/7qx8RgcnKZuxwCHaQ3m9rK?si=6Te9AHiBS5uhkFrNjZ2gyw
A Constituinte de 1988:
Episódio “Programa de Índio”, do Podcast “Rádio Novelo Apresenta”. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/6q7eojRQ4AnWvE8IiTMeU1?si=qWCvijGyT-mGJuRKHZ1Jkw
Documentário “Índio cidadão?”, de Rodrigo Siqueira. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ti1q9-eWtc8&t=858s
O momento atual da relação entre indígenas e Estado brasileiro:
Seção sobre o marco temporal na página oficial da APIB. Disponível em: https://apiboficial.org/marco-temporal/
Artigo “O que você sabe sobre o Ministério dos Povos Indígenas”, de Jessy de Faria Costa. Disponível em: https://www.politize.com.br/ministerio-dos-povos-indigenas/