Uma nova fronteira na história social do Brasil

NA ESTANTE
Uma nova fronteira na história social do Brasil

Setor Curricular de História
Colégio de Aplicação da UFRJ

O livro “Fronteiras da Cidadania: uma história negra e indígena do Brasil pós-colonial”, escrito pela pesquisadora Yuko Miki, inova ao pensar as histórias de indígenas e escravizados negros no Brasil em interseção, no período após a independência. Para isso, parte da Constituição de 1824, que silenciava sobre esses grupos em seu conteúdo. 

A atividade aqui proposta se inicia justamente com uma análise deste texto constitucional, propondo uma interpretação de fontes que dê conta de reconstruir e problematizar esse silenciamento.

Possibilidades de abordagem:

  • Caracterizar o contexto de outorga da Constituição de 1824 e seus aspectos principais; 
  • Analisar o silenciamento da Constituição de 1824 sobre indígenas e escravizados negros; 
  • Explicar a associação entre escravizados e propriedade privada neste texto constitucional; 
  • Diferenciar a postura de apagamento empreendida pelo Império sobre o “indígena do presente” de uma construção progressiva da identidade nacional a partir de um “indígena do passado”.

Proposta de atividade:

A atividade deve se iniciar com uma exposição do contexto de outorga da Constituição de 1824, detalhando o seu funcionamento e principais características, como: 

– A divisão em quatro poderes, incluindo o Poder Moderador;

– O seu caráter elitista, materializado no voto censitário; 

– A determinação de uma religião oficial, o catolicismo, submetida ao Estado por meio do padroado;

– A proibição de torturas e penas físicas para cidadãos brasileiros. 

 

Esse último tópico pode servir de condutor para uma reflexão: quem era considerado cidadão no Brasil? A partir do debate, é possível que apareçam as palavras “indígenas” ou “escravizados”. Isso pode servir de mote para um trabalho com fonte: a própria Constituição.

Como o texto é muito grande para ser trabalhado de forma integral, uma solução é a busca por palavras-chave em meio digital. Caso os estudantes tenham acesso a um laboratório de informática, isso pode ser feito diretamente por eles. Caso não tenham, o docente pode projetar o texto com auxílio de um data show e fazer a busca a partir das falas da turma. A ideia é buscar a maneira como a Constituição de 1824 se referia a escravizados e indígenas. Para isso, as palavras-chave a serem buscadas são: “escravizado”, “escravo”, “indígena”, “índio”, “bugre”, “caboclo”, entre outras que reflitam o vocabulário da época. Isso também pode servir de disparador para um debate sobre o estabelecimento desse vocabulário preconceituoso. 

Nenhuma dessas palavras-chave será encontrada nas buscas, já que a Constituição não faz qualquer referência a indígenas ou escravizados. Retomando o ponto da proibição de torturas e penas físicas a cidadãos brasileiros, pode-se inferir que elas estavam autorizadas aos “não-cidadãos”. 

Uma nova busca, entretanto, pode ajudar a elucidar o silêncio da Constituição sobre os escravizados. Buscando por “propriedade”, encontraremos cinco resultados, um deles sendo o artigo 179 – “A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império […]” –, e outro o inciso XXII desse mesmo artigo, que estabelece que “É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor dela”. 

A partir daí, pode-se discutir a associação entre população escravizada e a ideia de propriedade privada, associação que se constitui como uma ferramenta a mais de desumanização deste grupo.

Em relação ao indígena, é interessante analisar a gravura “Alegoria do juramento da Constituição de 1824”, que retrata a Constituição Brasileira (ou o próprio Brasil) como uma mulher indígena, sendo salva de garras demoníacas, representantes do absolutismo, por D. Pedro I. 

GIANNI, Giuseppe. Alegoria do juramento da Constituição de 1824 ou Dom Pedro libertando o Brasil do despotismo. [Gravura por Lasteyrie]. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Brasil

O debate a respeito desta imagem pode ser útil para a análise de que, mesmo que o Império tenha construído um silenciamento sobre os “indígenas do presente”, os “indígenas do passado” foram utilizados como símbolo da identidade nacional, em um momento em que fundar a nação também significava buscar mitos de origem separados de Portugal, ex-metrópole a respeito da qual buscava-se afirmar o rompimento.

Recursos utilizados:

  • Ambiente virtual, como laboratório de informática ou computador com projetor data show
  • Texto em versão digital da Constituição de 1824; 
  • Cópia impressa da gravura “Alegoria do juramento da Constituição de 1824” ou projeção de sua versão digital.

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BRASIL. Constituição de 1824. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm . Acesso em julho de 2025.