As populações que chamamos de espécies

Departamento de Genética, Ecologia e Evolução, Instituto de Ciências Biológicas
Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares
Universidade Federal de Minas Gerais

O conceito se refere a grupos de organismos, com barreiras reprodutivas entre si, que se alteram ao longo de gerações

CRÉDITO: IMAGEM ADOBESTOCK

O processo evolutivo envolve constantes mudanças observadas entre gerações de indivíduos de populações da mesma espécie. Consideremos, por exemplo, uma geração X de indivíduos em certa população que se reproduz e dá origem à população Y, que inclui os pais da geração Z. Se analisarmos os fenótipos (características) e os genótipos (DNA passado de pais a filhos), veremos que X, Y e Z são populações com fenótipos e genótipos diferentes.

Em cada geração, essas populações evoluíram: cada indivíduo das gerações X, Y e Z é uma combinação única de características que nunca se repete, embora os avós (X) passem metade dos seus genes aos filhos (Y) e estes aos netos (Z). A evolução é isso, a mudança nas propriedades fenotípicas e genotípicas dos indivíduos nas populações ao longo das gerações.

Resumido, a evolução biológica é uma mudança contínua entre gerações de indivíduos desde o início da vida (aproximadamente 4 bilhões de anos atrás), acumulando diferenças com o passar do tempo.

Para o naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) e para a maioria dos biólogos atuais, os conceitos de espécies são ‘abstrações’ que permitem classificar organismos com um determinado critério. Essas classificações se estendem a outros fenômenos, como as cores que enxergamos no arco-íris, que, para muitos, são exatamente sete, enquanto, para outros, são menos ou mais. Se tivéssemos os fotorreceptores dos olhos das aves ou das abelhas, certamente teríamos mais nomes de cores no espectro ultravioleta.

Antes da biologia, muitas pessoas entendiam espécies como entidades teleológicas (criadas com propósito) definidas por um tipo, e consideradas imutáveis. A ciência nos trouxe a percepção das espécies como entidades em constante mudança, dentro de uma realidade física contínua e dinâmica ao longo de bilhões de anos.

Os conceitos modernos de espécie tendem a ser menos arbitrários, pois chamamos de espécies as populações com indivíduos que se reproduzem entre si (organismos sexuados), que estão reprodutivamente separadas de outras espécies – têm independência evolutiva. Cada espécie se altera ao longo das gerações (sob impacto de mutações, deriva genética e seleção natural) como uma unidade populacional independente, com fluxo gênico nulo ou insignificante com outras espécies.

A independência evolutiva das espécies sexuadas (a maioria dos animais e das plantas) é alcançada pelas barreiras reprodutivas, como aquelas entre humanos, chimpanzés e gorilas, que não se reproduzem entre si por várias barreiras comportamentais, gaméticas, cromossômicas e anatômicas. As barreiras reprodutivas se fixam ao longo de inúmeras gerações em cada uma dessas unidades evolutivas que chamamos de espécies.

Em muitos casos, as espécies nos parecem óbvias, como o tucanuçu (do Cerrado) e o tucano-de-bico-verde (da Mata Atlântica), duas espécies muito diferentes em aparência e comportamento, que habitam ambientes distintos e não se acasalam quando machos e fêmeas de espécies diferentes se encontram, pois, a barreira reprodutiva entre estes é completa.

No caso do cavalo (Equus caballus) e do asno (Equus asinus), o acasalamento ocorre e gera prole, que geralmente é estéril, embora existam algumas raras mulas férteis. No entanto, temos evidências científicas suficientes para dizer que cavalos e asnos são duas espécies diferentes, pois preservam caminhos evolutivos independentes. Detalhe: a prole entre espécies diferentes é chamada híbrida e não é uma nova espécie para a biologia evolutiva.

Os mecanismos de formação das espécies, ou seja, de populações com independência evolutiva entre si, são conhecidos coletivamente como especiação. Nos organismos sexuados, a especiação é a evolução de populações que acumulam características que as isolam reprodutivamente de outras, impedindo o fluxo gênico (troca de genes) e mantendo os genes evoluindo entre os indivíduos da mesma espécie (que se reproduzem entre si) ao longo das gerações.

O ‘problema das espécies’ é bem conhecido e discutido entre cientistas desde o século 19 pelo próprio Darwin, que observava o mundo vivo com um contínuo de variação sob a luz da Teoria da Evolução. O conceito é muito útil para o diálogo, mas não é justificativa para debates acalorados, como alguns eventos do passado acadêmico.

Cada espécie se altera ao longo das gerações (sob impacto de mutações, deriva genética e seleção natural) como uma unidade populacional independente, com fluxo gênico nulo ou insignificante com outras espécies

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