Carta ao leitor: Um pacto pela educação

Ilustração: Mateus Velasco.

A percepção que temos do país é, com freqüência, afetada e conduzida pela elaboração e difusão de índices diversos, que pretendem apontar a posição do Brasil no contexto internacional. Nos momentos finais de 2007, por exemplo, fomos brindados com a notícia de que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país passara a ocupar a 70ª posição na escala mundial (antes andávamos pelo 73º lugar). Façanha que nos incluiu na última posição entre os países de alto desenvolvimento humano.

Por mais que reflitam movimentos e mudanças em curso na sociedade brasileira, tais indicadores nem sempre são perceptíveis a olho nu. Na verdade, o efeito psicológico que produzem – por vezes desproporcional aos centésimos ou milésimos nos seus marcadores – colapsa diante da reiteração e do agravamento de mazelas, estas sim, altamente visíveis.

Para além da abstração de alguns índices, outros têm a propriedade de indicar a presença de fenômenos com forte impacto na configuração real e imediata do país. Entre os mais preocupantes encontram-se os que incidem sobre o domínio da educação fundamental e média no país.

Pesquisa recente, feita pelo Instituto Ayrton Senna, por exemplo, detectou entre alunos do ensino fundamental – da 2 a à 5 a séries – a presença de 12% de analfabetos. Perfil ainda mais dramático foi revelado pelo Programa de Alfabetização na Idade Certa, no Ceará. Dos cerca de 130 mil alunos da 2 a série do ensino fundamental avaliados, apenas 12,5% sabem escrever um texto. Maioria tristemente esmagadora (67%) é capaz, tão somente, de identificar letras.

Há quem diga que são exemplos extremos. O que não se pode negar é que sejam reais e que tenham maior densidade existencial do que a abstração de médias estatísticas. O fato é que o espectro da baixa qualidade da educação fundamental e média ronda-nos de forma insistente e indesculpavelmente não resolvida.

É verdade que a quase totalidade dos brasileiros entre sete e 14 anos, de algum modo, está na escola. A sensação de universalidade, porém, é mitigada pelos altos níveis de repetência, pelo escasso tempo diário ocupado pela escola e pela própria baixa escolaridade agregada dos alunos. Brasileiros acima dos 15 anos de idade têm, em média, 4,9 anos de escolaridade. Os níveis para a Argentina e o México são, respectivamente, de 8,8 e 7,2 anos.

O impacto desse quadro sobre a capacitação científica dos estudantes brasileiros é inequívoco. A cada três anos, estudantes de um conjunto expressivo de países são submetidos a um programa de avaliação, que visa atestar a qualidade de sua formação nos domínios da matemática, das ciências e da capacidade de leitura. Coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) invariavelmente tem encontrado o Brasil em suas últimas posições.

O analfabetismo científico, resultante desse quadro maior, está a exigir políticas permanentes de Estado – e não programas eventuais de governo – capazes de garantir por prazos longos e de forma sistemática a elevação do gasto com educação, melhorias salariais significativas e fortalecimento da capacitação dos professores, escola pública em tempo integral e programas permanentes de divulgação e educação científicas.

Um pacto republicano pela educação pública do país poderia ter nessas metas um programa mínimo. Seus efeitos mais globais poderão ser recolhidos no médio prazo, ainda que alguns possam se fazer sentir de forma imediata. A despeito da possível demora dos resultados, uma certeza pode ser adiantada: o desenho de país que resultará dessa reorientação de nossos hábitos usuais é superior ao que ordinariamente experimentamos.

Renato Lessa
Diretor Presidente do Instituto Ciência Hoje

 

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