Segundo a EPA, a Agência de Proteção Ambiental norte-americana, a biorremediação designa tratamentos que usam organismos naturalmente existentes no ambiente para degradar substâncias tóxicas em substâncias não tóxicas ou menos tóxicas. Parece muito virtuoso e esperto; mas, se uma indústria libera toneladas de rejeitos tóxicos no ambiente, poderá não fazer absolutamente nada e argumentar que está fazendo um tratamento de biorremediação, isto é, permitindo que as bactérias naturalmente presentes no ambiente degradem o rejeito em questão. O processo poderá levar séculos e não degradar mais que uma fração do rejeito, ou, inclusive, transformar o rejeito em algo mais tóxico do que era originalmente, dependendo do tipo e da forma química dos poluentes presentes no rejeito.
Uma opção menos preguiçosa, barata e conveniente seria, por exemplo, isolar bactérias resistentes aos poluentes, que sejam também capazes de degradá-los, cultivá-las e reintroduzi-las no ambiente contaminado, na esperança de que se comportem, naquele ambiente, do mesmo modo que no laboratório, o que nem sempre é o caso. Mas, sendo o caso ou não, é sempre positivo para a imagem das empresas poluidoras: afinal, estão tentando fazer algo e ainda usando técnicas ‘ecológicas’.
Plantas terrestres e aquáticas – como o aguapé – também podem ser úteis na biorremediação, extraindo metais e outros poluentes do solo ou da água. Isso, no entanto, só muda o problema de lugar, e resta decidir o que fazer com o aguapé contaminado: não pode ser consumido ou enterrado. Se contiver apenas metais como poluentes, pode ser queimado, mas as cinzas resultantes deverão ser segregadas para evitar que os metais em questão voltem a circular pela biosfera. Convém lembrar o ensinamento do químico francês Antoine de Lavoisier: a matéria não se cria nem se perde, só muda de lugar e de estado físico-químico.
No caso especifico da catástrofe ambiental do rio Doce, o volume de rejeitos que vazou equivale a um cubo de 391 m de lado. Informações preliminares indicam que o pH (grau de acidez) da lama seria 13; portanto, extremamente alcalino. Isso ilustra bem uma das limitações da biorremediação: não só é muito lenta e incerta como também só pode ser empregada se o material a biorremediar tem condições mínimas de abrigar alguma forma de vida – o que é duvidoso no caso dos rejeitos de mineração que praticamente colmataram a calha do rio Doce.
O aguapé poderá talvez ajudar a melhorar algo da qualidade da água do rio, mas será absolutamente inútil para remover, e muito menos detoxificar, os 60 milhões de toneladas de rejeito sólido que a catástrofe despejou no rio Doce e que, por sua quantidade e espessura, ficarão inacessíveis a plantas e outros organismos por tempos que podem ser geológicos de tão longos. Para a sociedade como um todo, prevenir é sempre mais vantajoso do que remediar. Para as empresas de mineração, nem sempre.
Jean Remy Davee Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro