Nas últimas décadas, a atração sexual patológica por crianças e pré-adolescentes ganhou nome e deixou de ser um assunto reservado das famílias para se tornar um problema social e político que afeta desde questões médicas até criminais.

Chamada pedofilia, um tipo de perversão sexual para a psicanálise e psiquiatria, essa doença passou a representar muito mais que uma condição médica e hoje é um termo que abrange várias manifestações de violência e polui a discussão sobre o tema pela forte carga emocional que o cerca.

A quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM IV-TR, na sigla em inglês), publicação da Associação Americana de Psiquiatria (APA), define a pedofilia como uma parafilia, um tipo de transtorno em que o prazer sexual não é obtido com a cópula, mas por meio de outra atividade ou objeto de desejo sexual.

O termo ‘pedofilia’ abrange várias manifestações de violência e polui a discussão sobre o tema pela forte carga emocional que o cerca

Mais especificamente, ela se caracteriza por interesse sexual por crianças pré-púberes (13 anos ou menos) da parte de indivíduos com 16 anos ou mais ou que sejam pelo menos cinco anos mais velhos, sendo que esse desejo se manifesta por um período mínimo de seis meses. O diagnóstico poderia ser feito se o interesse foi levado a cabo ou se causou acentuado sofrimento ou dificuldades pessoais.

O psiquiatra e psicanalista Luís Alberto Helsinger, coordenador do curso de Teoria e Clínica da Perversão da Sociedade Brasileira de Psicanálise, é critico do DSM. “Os norte-americanos são muito bons para parametrizar e sistematizar as coisas, mas isso nem sempre funciona”, observa. Ele explica a pedofilia sob o ângulo da psicanálise.

“O que faz desse problema uma patologia é o fato de o indivíduo só atingir o gozo, o prazer sexual única e exclusivamente por meio do objeto escolhido, o fetiche. Esse é um dado importante: aquele que sofre de perversão sexual não consegue realizar seu desejo de outra maneira que não seja com seu fetiche”, reitera Helsinger, acrescentando que esse objeto pode ser qualquer coisa, por exemplo, uma bota, um olhar ou uma criança, como no caso da pedofilia.

A definição é importante, pois nem todo caso de violência sexual contra crianças se enquadra na pedofilia. “Um pai que chega bêbado em casa e estupra a própria filha não é um pedófilo se ele consegue ter relações sexuais e obter prazer com mulheres adultas”, explica o psicanalista.

Na mesma linha, alguém que produza material pornográfico contendo crianças não necessariamente sofre de uma perversão, embora possa estar alimentando um público com a doença. Contudo, todos esses exemplos – o pai, o produtor e os clientes – hoje são criminosos perante a lei.
 

Perfil de um escravo

Mas o que faz alguém se tornar um pedófilo? Seria possível nascer com essa doença? Helsinger afirma que não. A pedofilia seria um problema de cunho psicológico originário de um trauma ou de pressões culturais que levam a pessoa a procurar uma forma de gozo exclusivamente focada em crianças. 

“Alguém que sofreu abusos na infância pode querer, como disse [o médico austríaco Sigmund] Freud [1856-1939], repetir ativamente o que sofreu passivamente. A pedofilia pode surgir também em ambientes supererotizados onde há um estado ambíguo de lei e ausência de lei, como em famílias nas quais há muitos irmãos de pais diferentes”, esclarece o psicanalista.

“Embora se sintam senhores da situação, os pedófilos são escravos de um único desejo. Pior: são escravos que se creem livres”

Ele também informa que, apesar de existirem mulheres que sofrem de pedofilia, o número esmagador de casos é de homens. “As mulheres tendem a usar os bebês e os filhos como bons fetiches, alvos de ternura e amor”, comenta.

Os pedófilos também estão longe de ser um grupo homogêneo, já que apresentam interesses por crianças de idades distintas. Segundo Helsinger, aqueles que procuram as mais jovens, as veem como objetos fracos e totalmente dominados, sobre os quais podem exercer seu poder.

Já os que se interessam pelas mais velhas procuram um ritual de abuso ligado à sedução. “Embora se sintam senhores da situação, a verdade é que os pedófilos, bem como os outros indivíduos com perversões, devido a seu gozo específico, são escravos de um único desejo. Pior: são escravos que se creem livres”, afirma.

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Fred Furtado
Ciência Hoje/RJ

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