Pode não parecer, mas a imagem abaixo é de uma mamadeira. Criada em 2007 pelo conceituado desenhista industrial egípcio Karim Rashid, o objeto é vendido junto a um texto promocional que o destaca como um “acessório utilitário” e, ao lado de outros modelos, uma boa alternativa à amamentação natural.

Mamadeiras
Mamadeiras da nova geração: design arrojado e cores vibrantes (foto: divulgação).

Obviamente, para fins comerciais, não são mencionados os inúmeros efeitos maléficos que o uso da mamadeira tem sobre a saúde dos bebês, comprovados sistematicamente por pesquisas desde o final do século 19 e reconhecidos pela comunidade científica internacional há mais de três décadas. 

Foi a partir desse aparente paradoxo que a desenhista industrial Cristine Nogueira desenvolveu sua tese de doutorado, defendida na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Mamadeiras
Modelo ‘ecologicamente correto’ de hoje (foto: divulgação).

Por meio da análise de modelos de mamadeiras disponíveis no mercado, Nogueira questionou o fato de esse objeto ainda ser amplamente consumido, sem real necessidade, na sociedade ocidental. Ressaltou também o papel que o profissional de desenho industrial desempenha na conservação desse cenário.

“É muito sério que nós façamos um projeto tomando por princípio que o objeto em questão está acima de qualquer suspeita. E, no caso da mamadeira, essa atitude vem tendo consequências gravíssimas”, opina ela.

A pesquisadora cita diversos produtos que fazem mal à saúde e que são vendidos como objetos de consumo imperdíveis. “O problema toma uma configuração ainda mais preocupante quando se destina a recém-nascidos”, diz.

 

Chifre de boi: a primeira mamadeira

Há registros da utilização de mamadeiras – ou protomamadeiras – como alternativa à amamentação natural desde a era pré-cristã. Chifres de bois eram empregados como meio de alimentar crianças na Idade Média.

Mamadeira chifre
A ‘protomamadeira’ feita com chifre de boi, utilizada na Idade Média (foto: Babybottle Museum).

A partir da Revolução Industrial, no século 18, começaram a ser criados e comercializados modelos teoricamente mais adaptados à fisiologia infantil. “Se não se pode descartar meios alternativos ao seio materno para alimentar bebês, tais meios só devem ser utilizados quando estritamente necessários”, alerta Nogueira.

O primeiro tipo de mamadeira da era industrial era a chamada mummies’ darling (queridinha da mamãe), em 1880, composta por uma vasilha de vidro e uma rolha atravessada por um canudo de metal muito estreito.

“Tais meios alternativos só devem ser utilizados quando estritamentenecessários”

“O canudo de metal era praticamente impossível de ser limpo”, conta Nogueira. “Assim, bactérias se acumulavam ali e muitas crianças morriam por causa de infecções.” A esse, seguiu-se um modelo com bico vulcanizado – feito com borracha impermeável –, mais fácil de ser limpo. 

Mais tarde, começaram a surgir mamadeiras de vidro com boca rosqueada para a adaptação de bico de látex. No entanto, nos últimos 30 anos a indústria tem se utilizado do desenho industrial para produzir e lançar no mercado uma profusão de produtos com apelos tecnológicos e promocionais diversos que tornariam a mamadeira “mais confortável para o bebê”, proporcionando-lhe uma “mamada mais natural”.

Mamadeira de cerâmica
Era mamadeira, mas o modelo de cerâmica está mais para cofre de porquinho (foto: Babybottle Museum).

Alguns desses modelos, aliás, alegam levar em conta pesquisas científicas sobre os efeitos das mamadeiras em bebês. “Hoje, alguns fabricantes de mamadeiras dizem ter resolvido o problema de bolhas de ar que causam as cólicas, por exemplo”, conta Nogueira. “No entanto, não se informa ao público que a amamentação por mamadeira causa inúmeros malefícios à saúde da criança.”

Em sua tese, Nogueira se baseia em várias pesquisas que comprovam os efeitos da mamadeira e do leite em pó tanto no desenvolvimento de doenças em bebês quanto na malformação de suas arcadas dentárias e consequentes desdobramentos respiratórios.

Mamadeira dandy
As primeiras mamadeiras industriais eram de vidro, como este ‘alimentador miniatura’ da marca Meritor Dandy (foto: Babybottle Museum).

Se o desenhista industrial tem um papel tão importante em conceber esses produtos, como articular a demanda de um chefe ou empresa com o olhar mais crítico e questionador sugerido por Nogueira?

“É uma questão ética”, comenta. “É preciso ter uma conduta profissional comprometida com a realidade, saber dizer não ou conduzir o projeto para vias alternativas, rumo à inovação.”

No caso da alimentação de bebês, o meio alternativo que vem sendo recomendado pelas agências oficiais de saúde é o copinho. Simples assim, mas o copinho ainda está à espera de novos projetos que o façam ser mais bem acolhido por quem se acostumou a pensar que a mamadeira era um produto seguro.

Isabela Fraga
Ciência Hoje/RJ

Texto originalmente publicado na CH 271 (junho/ 2010).

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