A risada era inconfundível: “Ho, ho, hooo!”. Quando a escutei, eu estava sentado a meia-luz, em um canto da sala. Enquanto isso, aquele senhor, um pouco acima do peso, barbudo, vestido de vermelho e branco, tentava entrar pela janela. Sempre rindo.
“Por que demorou tanto?”
“Ops! Ora, é que… Bem… são tantas casas… esses prédios todos… E ainda inventaram de colocar telas de proteção. Não é tão fácil quanto antigamente!”
“Aliás, como é que você entra nas casas com telas de prote…”
“Isso não importa! Nunca ouviu falar que eu sei tudo? Sempre há uma maneira…”
Só podia ser ele, pensei. O bom e velho Noel. Mas nunca imaginei que tivesse algo de arrogante. Tudo bem. Afinal, o importante era ter cara de bonzinho.
“Você é mais magro do que eu imaginava.”
“Tento me cuidar. Triglicerídeos lá em cima, sabe? Bem, isso não vem ao caso. Mas o que você estava fazendo aí, escondido, rapaz?”
“Você trouxe o que eu pedi?”
“Ah, sim! Claro, claro que trouxe. Mas… será que você merece?”
Não era momento para dúvidas, oras!
“Como assim? Claro que mereço! São anos de espera por esse momento. Mas eu sempre caía no sono na hora H e…”.
“E o que foi diferente hoje?”
“Sua risada.”
Noel se virou rapidamente para um de seus ajudantes – um anãozinho simpático, porém tímido – e murmurou furiosamente algo como “você e suas piadinhas!”
“Então? Posso pegar?
“Calma! Ho, ho, hooo…”
A risada, inicialmente bondosa, ganhara algo de… diabólico.
“Vejamos se você realmente merece o presente. Uma pequena charada para você.”
“Ótimo!”, disse eu, com certa impaciência.
“Em uma das cidades por que passei, notei um comportamento peculiar. Nela, os moradores sempre mentem nas segundas, terças e quartas-feiras. E falam a verdade nos outros dias.
Minha impaciência aumentou.
“Ouvi um deles dizer: ‘Eu menti ontem’ e, em seguida, ‘Eu vou mentir daqui a três dias.”’
“Sim, e daí?”
Finalmente, o bom velhinho completou a charada.
“Que dia da semana era?”
Moleza, pensei eu, já imaginando o prazer de ganhar meu presente.
Suponhamos que as frases tenham sido ditas em um dia em que aquele morador – vamos chamá-lo Natalino – estivesse falando a verdade. Nesse caso, ele, de fato, mentiu no dia anterior, o que quer dizer que a frase só poderia ter sido dita em uma quinta-feira, o único dia em que se fala a verdade um dia depois de se ter mentido. Mas, três dias depois, que é um domingo, ele não irá mentir, o que contraria a segunda frase.
Portanto, as frases não foram ditas em um dia em que se fala a verdade. Sobraram, então, segunda, terça e quarta.
A primeira frase só pode ter sido dita na segunda-feira, pois, no dia anterior, um domingo, Natalino teria que ter falado a verdade – lembre-se que, agora, ele está mentindo. Três dias depois é quinta, quando, novamente, Natalino falará a verdade. Mas, como ‘ele mente nas segundas-feiras’, acabou dizendo uma mentira (“Eu vou mentir daqui a três dias”).
Portanto, a frase de Natalino foi dita numa segunda-feira.
“Segunda!”, exclamei, com convicção.
Mas a sala já estava vazia.
O bom velhinho tinha mais o que fazer. Olhei perto da árvore, onde havia um bilhete:
“É melhor assim! Feliz Natal!”
Por um minuto, achei que ele poderia ter deixado O Livro em algum lugar. Uma obra imaginária que o matemático húngaro Paul Erdös (1913-1996) dizia conter as provas mais simples e elegantes de todos os teoremas e problemas matemáticos.
“Melhor assim”, pensei. Talvez, Noel tenha razão. Muitas vezes, a graça das coisas está na descoberta.
Boas festas a todos e até 2011!
E se o Papai Noel tivesse dito que ouviu alguém dizer “hoje é segunda-feira” e, em seguida, “Amanhã, vou mentir”. Que dia seria?
Marco Moriconi
Instituto de Física
Universidade Federal Fluminense
Texto originalmente publicado na CH 277 (dezembro/2010)