A geopolítica das terras-raras

Programa de Pós-graduação em Química
Instituto de Química
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Cerca de dois séculos depois de serem descobertas, a fama e o protagonismo chegaram para as terras-raras. Hoje, esse grupo de elementos químicos está nas mídias, por causa de suas aplicações estratégicas, que vão de equipamentos de nosso dia a dia àquelas relacionadas à segurança nacional. O Brasil, com a segunda reserva mundial desses elementos, tem grandes desafios à frente: não só explorá-los comercialmente, mas também fazer isso de forma a agregar valor a essa matéria-prima, em uma economia amigável ao meio ambiente.

Em meio a disputas econômicas, crises políticas e distribuição de ‘tarifaços’, o termo terras-raras tornou-se recentemente cada vez mais recorrente nos noticiários. Os elementos químicos denominados dessa forma, até então relativamente desconhecidos, foram apresentados para o mundo como grandes protagonistas não só de produtos de nosso cotidiano, mas também do desenvolvimento de uma economia de ponta e da transição para uma matriz energética livre de petróleo.

Na economia global, o domínio das reservas desses elementos não só determina o sucesso econômico e tecnológico no presente, mas também no futuro. Atualmente, a maior reserva de terras-raras encontra-se na China, e, desde 1990, esse país vem fazendo grandes investimentos no mercado que emprega esses elementos como matéria-prima. 

Segundo análise de 2023 da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a China já representava 60% da produção global de terras-raras, bem como 85% da cadeia global de refino desses elementos. 

Com essa vantagem em mãos, em 2010, a China restringiu as exportações desses elementos, causando baque no comércio internacional, o qual levou até mesmo a Organização Mundial do Comércio (OMC) a declarar as atitudes do país como violações das regras do comércio internacional. 

Desde então, o mundo vive uma ‘Guerra Fria’ por recursos, em que jogadas comerciais visando a limitar a exportação de produtos estratégicos são mais importantes do que conflitos militares diretos.

Na economia global, o domínio das reservas desses elementos não só determina o sucesso econômico e tecnológico no presente, mas também no futuro

Nem terras, nem raras

Apesar de sua atual notoriedade, a história desses elementos remonta a 1787, quando o químico e militar sueco Carl Axel Arrhenius (1757-1824) identificou uma rocha incomum em uma visita a uma mina de feldspato, no vilarejo de Ytterby, na ilha de Resarö (Suécia)mal sabia ele que sua descoberta causaria grande revolução (figura 1).

Figura 1. Retrato litográfico de Carl Axel Arrhenius

CRÉDITO: WIKIMEDIA COMMONS

Em 1794, a rocha encontrada por Arrhenius – batizada por ele ‘ytterbita’, em homenagem ao vilarejo onde fora descoberta – chegou às mãos do químico, físico e mineralogista finlandês Johan Gadolin (1760-1852), que fez nela uma série de análises químicas. 

Gadolin verificou que grande parte da rocha era composta por uma ‘terra’ – nome pelo qual eram chamados os óxidos sólidos de elementos químicos capazes de serem dissolvidos em ácidos – ainda desconhecida, que ele denominou ‘ítria’ (veja boxe ‘A origem dos nomes’).

Em 1800, as análises de Gadolin foram confirmadas pelo químico sueco Anders Gustaf Ekeberg (1767-1813). Como homenagem a Gadolin, Ekeberg renomeou a rocha analisada, chamando-a ‘gadolinita’. 

Três anos depois, outro novo mineral, batizado ‘cerita’, foi descoberto também na Suécia e teve amostras analisadas por dois grandes químicos daquele país: Jöns Jacob Berzelius (1779-1848) e Wilhelm Hisinger (1766-1852). Da cerita, eles obtiveram outra ‘terra’, à qual deram o nome ‘céria’.

Hoje, sabemos que a ‘ítria’ e a ‘céria’ não são substâncias puras, mas, sim, mistura de óxidos de diversos elementos com propriedades químicas extremamente próximas – as técnicas disponíveis à época não permitiam a separação desses elementos. 

Mais de 100 anos depois da descoberta da ítria, 15 outras ‘terras’ foram isoladas da gadolinita, cerita e outros minerais. O difícil isolamento desses elementos, sob a forma de seus óxidos, fez com que a série de 16 elementos naturais ficasse conhecida por um nome muito enganador: terras-rarasvale ressaltar que um 17º elemento, o promécio, o único radioativo entre as terras-raras, foi descoberto só em 1945, nos EUA, como resultado dos avanços da física nuclear na Segunda Guerra Mundial.

Atualmente, sabemos que não se tratam de ‘terras’, mas, sim, de elementos metálicos. Mais: nem mesmo são raros – são só distribuídos na crosta terrestre de forma muito irregular. Mas, por questões históricas, seguem sendo denominados terras-raras e incluem os elementos escândio, ítrio e toda a série dos lantanídeos – estes últimos formam o grupo de 15 elementos que ocupa o sexto período da Tabela Periódica (figura 2).

Figura 2. Em destaque, os 17 elementos das terras-raras

CRÉDITO: CEDIDO PELO AUTOR

Atualmente, sabemos que não se tratam de ‘terras’, mas, sim, de elementos metálicos. Mais: nem mesmo são raros – são só distribuídos na crosta terrestre de forma muito irregular

Química e separação

Átomos são entidades compostas por três ‘tipos’ de partículas: prótons, nêutrons e elétrons, que estão divididas em duas ‘seções’ diferentes: núcleo e eletrosfera. 

O núcleo é composto por prótons, que têm carga elétrica positiva, e nêutrons, sem carga. A quantidade de prótons no núcleo de um átomo é o seu ‘número atômico’. Cada elemento tem um número atômico correspondente, e é ele que define a forma na qual os elementos são organizados na Tabela Periódica. 

A distribuição dos elétrons (carga negativa) define o comportamento químico de um elemento. 

A mecânica quântica – teoria que lida com os fenômenos nas dimensões atômicas e subatômicas – nos mostra que existem níveis energéticos específicos que podem ser ocupados pelos elétrons. Cada um desses níveis está dividido em ‘subníveis’. 

Atualmente, sabemos que todos os elementos químicos distribuem seus elétrons por quatro tipos diferentes de subníveis eletrônicos, chamados s, p, d e f – com a ordem de energia aumentando do s ao f. 

Entre os 17 terras-raras, 14 têm, em suas configurações eletrônicas, elétrons alocados no subnível f. Por causa disso, a química desses elementos é bem peculiar. As particularidades do subnível f fazem com que o raio desses átomos – definido como a distância média do núcleo do átomo até o elétron mais externo – varie muito pouco entre eles. 

A consequência disso é que os elementos que vão do lantânio até o lutécio se comportam quimicamente de forma similar. Essa similaridade química é responsável pelo fato de sempre encontrarmos esses 14 elementos juntos em minerais na natureza e de ser difícil separá-los uns dos outros.

Os 107 anos que separam a descoberta, em 1901, do európio – o último dos elementos das terras-raras isolado a partir de minerais – daquela do ítrio, em 1794, por Gadolin, são reflexo da similaridade química entre eles. Desde o fim do século 18, não raramente, anúncios de ‘novas’ terras-raras se mostraram, na verdade, misturas desses elementos.

Apenas em 1913, quando o físico Henry Moseley (1887-1915) determinou que o número atômico era o que determinava a identidade de um elemento, os equívocos sobre a descoberta de ‘novas’ terras-raras tiveram fim.

Só em 1940 um método robusto de separação desses elementos foi desenvolvido, no contexto do projeto Manhattan – que desenvolveu as duas bombas atômicas lançadas sobre o Japão em agosto de 1945 – pelo químico canadense-estadunidense Frank Harold Spedding (1902-1984). 

Ainda hoje, novos métodos de separação desses elementos, para obtê-los em purezas cada vez maiores, são tema de intensa pesquisa científica. O grande interesse tecnológico e econômico explica-se porque a pureza desses elementos determina sua performance em aplicações especializadas.

Ironicamente, a mesma distribuição eletrônica que torna extremamente desafiadora a separação desses elementos também confere a eles as propriedades físico-químicas que os tornam ‘grande objeto de desejo’ para aplicações de alta tecnologia: suas propriedades ópticas e magnéticas são praticamente impossíveis de reproduzir com o uso de outros elementos ou outras combinações de elementos.

A consequência disso é que os elementos que vão do lantânio até o lutécio se comportam quimicamente de forma similar

Mil e uma aplicações

Muitos elementos químicos são universalmente conhecidos por serem parte evidente de nosso cotidiano. Por exemplo, ferro, hidrogênio, alumínio, cobre e oxigênio. Esses elementos têm longa história e estão praticamente em qualquer lugar que nossos olhos possam ver.

Bem menos conhecidos são os nomes das terras-raras, embora estejam mais presentes em nossas vidas do que possamos imaginar. Exemplos:

i) cério: usado em componentes eletrônicos e baterias; em ligas metálicas para geração de faísca, como o mischmetal, encontrado em pedras de isqueiros; na fabricação de vidros e cerâmicas. Também está presente em conversores catalíticos de carros e catalisadores na indústria do petróleo;

ii) neodímio: entre as terras-raras, o de maior demanda comercial, usado principalmente para a fabricação de ímãs permanentes, em conjunto com o ferro e boro. Os ímãs fabricados com neodímio são os mais potentes que se conhecem e têm aplicações em eletrônicos do dia a dia, como smartphones, computadores, fones de ouvido e outros dispositivos de sonoros, bem como em equipamentos maiores, como motores de carro, turbinas eólicas e satélites;

iii) gadolínio: seus sais são muito importantes para a produção de agentes de contraste para exames médicos de ressonância magnética nuclear. Já o metal em si tem aplicações de alta tecnologia, como a produção de pigmentos luminescentes, lasers, refrigeração magnética, ligas metálicas de alto desempenho, além de aplicações em tecnologia nuclear;

iv) disprósio: também muito usado na fabricação de ímãs, bem como de lasers, sensores de radiação, pigmentos luminescentes, capacitores, além de usos em tecnologia nuclear; 

v) érbio: sua aplicação mais importante é a dopagem de fibras ópticas, garantindo que não haja perda do sinal de luz transmitido a longas distâncias. Tem também aplicações na fabricação de vidros, cerâmicas, filtros fotográficos, lasers e ligas metálicas especializadas.

Figura 3. Elementos das terras-raras em suas formas metálicas; de cima para baixo, cério, neodímio, gadolínio, disprósio e érbio

CRÉDITO: IVAN PAULO JÚNIOR/ACERVO PESSOAL

Em todas essas tecnologias, um ou mais elementos das terras-raras podem ser usados e, em algumas delas, não podem ser substituídos por outro elemento. Na verdade, é praticamente impossível imaginar o mundo moderno e o avanço incrivelmente rápido das tecnologias eletrônicas e da informação sem o emprego desse grupo tão especial de elementos – especialmente, se considerarmos os chamados gadgets, pequenos objetos eletrônicos de alta tecnologia. 

Por isso, atualmente, o domínio da química, física e das posses de reservas desses elementos é considerado altamente estratégico para o desenvolvimento econômico e tecnológico das nações. 

Além de seu uso no desenvolvimento de tecnologias cotidianas, há outras razões para justificar o grande interesse nesses elementos: suas aplicações em tecnologias militares, como sistemas de mísseis teleguiados, equipamentos de visão noturna e motores de drones.

Por isso, atualmente, o domínio da química, física e das posses de reservas desses elementos é considerado altamente estratégico para o desenvolvimento econômico e tecnológico das nações

O papel do Brasil

Nesse cenário mundial conturbado e cheio de incertezas, o Brasil tem grande potencial para se tornar importante protagonista: tem aproximadamente 21% das reservas mundiais das terras-raras, perdendo só para a China (44%). 

Mas uma das dificuldades a serem enfrentadas pelo Brasil é não só extrair esses elementos, mas adicionar valor agregado a eles, na forma de produtos. Ou seja, investir em processamento mineral, separação dos elementos e produção de materiais (ímãs, equipamentos ópticos etc.), em vez de exportar minério bruto, como faz em vários outros setores, deixando a riqueza – ou seja, os minérios processados – nas mãos de outros países. 

Outro grande desafio brasileiro é explorar esses elementos respeitando as diretrizes ambientais – algo essencial em um cenário de crise climática. Embora as terras-raras tenham papel fundamental para a chamada transição verde – por terem aplicações em veículos elétricos e usinas eólicas –, sua extração é danosa ao meio ambiente, gerando subprodutos tóxicos e radioativos que devem ser manejados com cautela, para não causar devastação nos entornos da área de extração. 

Em resumo: apesar de sua posição estratégica no que diz respeito às reservas naturais desses elementos, o Brasil ainda tem longo caminho pela frente, que passa pelo investimento em pesquisa, pela industrialização e formação de mão de obra especializada – além do compromisso com o meio ambiente, que deve ser o principal norteador de ações futuras. 

Outros países que têm grandes reservas desses elementos, como Índia e Austrália, também podem se tornar atores importantes no cenário global.

Outro grande desafio brasileiro é explorar esses elementos respeitando as diretrizes ambientais – algo essencial em um cenário de crise climática

Reciclagem e economia circular

Como foi dito acima, a mineração das terras-raras é um processo ambientalmente custoso, e suas reservas estão concentradas em poucos países. Portanto, outra questão importante sobre o futuro do uso desses elementos é a reciclagem. 

Com demanda mundial crescente por eletrônicos – e o consequente descarte desses equipamentos por defeito ou defasagem tecnológica –, é de se pensar que, caso não sejam reciclados, a geração de resíduos depositados em aterros sanitários deve ser enorme. 

E é isso já é realidade: atualmente, só de 1% a 5% dos produtos descartados que empregam terras-raras são reciclados – o restante é descartado em aterros. Ou seja, todo o material contido nessas carcaças eletrônicas estará perdido para sempre, caso não haja uma política de reciclagem funcional.

Há enorme dificuldade química e custo energético associados à separação das terras-raras da grande quantidade de outros elementos presentes em um dispositivo eletrônico. Geralmente, são usadas substâncias químicas muito agressivas e altas temperaturas nesses processos, o que torna esses métodos muito custosos e pouco atrativos para fins comerciais. 

Pesquisas recentes têm buscado formas criativas e ambientalmente amigáveis de fazer a reciclagem desses elementos. Por exemplo, usar micro-organismos cultivados em resíduos agrícolas, capazes de produzir substâncias que podem extrair as terras-raras das complexas estruturas químicas presentes em aparelhos eletrônicos. 

A vantagem de processos assim é não só o baixo custo energético, mas também o fato de todos os subprodutos dessa extração serem biodegradáveis e, portanto, ambientalmente amigáveis. 

Embora esses processos ‘verdes’ nos deem boa perspectiva, ainda é preciso muito investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos processos, cada vez mais otimizados, escaláveis e economicamente viáveis. Tudo isso para que haja um movimento significativo para a reciclagem das terras-raras, promovendo, assim, uma economia circular desses elementos, para garantir um futuro mais limpo para a humanidade.

Pesquisas recentes têm buscado formas criativas e ambientalmente amigáveis de fazer a reciclagem desses elementos

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